PEC pretende liberar a venda de plasma humano no Brasil

Foto: Reprodução/ prostooleh

Por G1

Uma proposta de emenda constitucional, em debate no Congresso Nacional, pretende liberar a comercialização de plasma humano e a entrada de empresas privadas na coleta e no processamento.

O líquido amarelado, extraído do sangue humano, serve de matéria-prima para produzir medicamentos essenciais para quem sofre de doenças hemorrágicas. O criador de conteúdo digital Adriano Lopes tem hemofilia, uma alteração genética que prejudica a coagulação do sangue. Desde 2012, ele consegue de graça, pelo SUS, um medicamento a base de plasma, que evita que um simples machucado vire um sangramento que pode até ser fatal. Mas ele diz que nem sempre foi assim.

“Era bastante limitado porque não tinha como exercer algumas atividades sem se machucar. Ou até mesmo sem exercer nada, né? Fazendo essa profilaxia, eu estou prevenindo de ter hemorragias e as idas ao hospital também são reduzidas ao máximo”, diz Adriano Lopes.

A Constituição brasileira estabelece que só o Estado pode produzir e comercializar os chamados hemoderivados – produtos à base de sangue. Mas, até hoje, o país não é autossuficiente na produção de medicamentos desse tipo. Isso porque ainda não tem todas as instalações necessárias para usar o plasma separado do sangue para fazer os remédios.

Transformar plasma em medicamento é uma das atribuições da Hemobras, uma estatal criada em 2004. Mas a empresa não funciona plenamente porque o complexo industrial, que começou a ser construído 13 anos atrás, em Pernambuco, ainda não está pronto.

Hoje, todo plasma doado em hemocentros precisa ser enviado para laboratórios no exterior. Lá, o líquido é processado e retorna ao Brasil na forma de medicamentos de alto custo, oferecidos gratuitamente pelo SUS.

Uma proposta de emenda constitucional, que pode ser votada nesta quarta-feira (4) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, quer permitir que empresas privadas possam participar desse processo. Segundo o texto da PEC, essas empresas privadas poderiam coletar, separar e comercializar o plasma humano.

Associação Brasileira de Bancos de Sangue defende a PEC, porque alega que ter tanto empresas públicas quanto privadas atuando no setor pode ser bom para o país.

“É importante a gente ter fábrica nacional ter fábrica pública, privada, aqui dentro, porque você vai usar essa matéria-prima, você vai gerar emprego, você vai criar tecnologia, você vai ter medicamento disponível e você vai gerar imposto, inclusive”, diz Paulo Tadeu de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Bancos de Sangue.

A presidente da Associação Brasileira de Pessoas com Hemofilia, Mariana Battazza, é contra a entrada da iniciativa privada, prevista na proposta, porque, segundo ela, os interesses do setor privado podem acabar criando uma espécie de mercado, o que prejudicaria o acesso dos pacientes a medicamentos que hoje são gratuitos.

“A ideia é que o governo continue provendo essa medicação para os pacientes e que não se tenha um mercado privado. Porque se houver um mercado privado dessas medicações, aí a gente já vai entrar em um outro contexto que é como de outras patologias, e aí entra no outro contexto muito complicado da mercantilização da doença”, pontuou Mariana.O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Hishan Hamida, que é contra a PEC, diz que o SUS precisa ser o único a fazer a distribuição.

“Eu não posso deixar que o mercado regule o acesso ao sangue, e o que a PEC propõe é justamente essa possibilidade. Então a partir do momento que o mercado vai regular com relação a valor, consequentemente acesso, o princípio do SUS da equidade, ele corre um sério risco.”

O presidente do Instituto Coalizão Saúde, Claudio Lottenberg, é a favor da PEC. Ele afirma que a iniciativa privada pode acelerar o acesso a medicamentos mais modernos.

“Em saúde, a questão do tempo faz parte de uma das prerrogativas de qualidade. A gente precisaria de respostas imediatas. O conhecimento científico é muito grande nessa frente de hemoderivados. Atribuir essa responsabilidade e acompanhamento dessa incorporação tecnológica a uma estrutura pesada de Estado é um equívoco. Nós temos que dar uma resposta mais rápida que a sociedade tanto almeja. Eu não acho que o estado está pronto para ter esse tipo de movimento”.A ministra da Saúde, Nísia Trindade, discorda. A ministra afirma que, se aprovada, a PEC do plasma vai comprometer o atendimento gratuito aos pacientes e ainda trazer o risco de desabastecimento porque, segundo ela, as empresas privadas poderiam, eventualmente, decidir vender plasma brasileiro para outros países.

“A expectativa do Ministério da Saúde é que essa PEC não seja aprovada, uma vez que ela significa um retrocesso frente ao sistema que foi implantado a partir da Constituição de 1988, e também um risco futuro, uma vez que o sangue é um elemento fundamental para pensar a vida e é, também, a partir dos seus derivados, um componente estratégico para o país. Não podemos ter desabastecimento nem de sangue para pessoas que precisam de transfusão e tampouco dos hemoderivados tão importantes para várias doenças”.A Hemobras declarou que a fábrica vai ficar pronta até 2025.