Da FolhaPE

Com quatro ou cinco carros de polícia na frente do local e cerca de 80 seguranças de empresa particular na frente do imóvel e espalhados pelos arredores, uma casa de festas no bairro de Heliópolis, em Garanhuns, abriga nesta sexta-feira (27) a primeira sessão da peça “O Evangelho segundo Jesus Cristo, Rainha do Céu”.

O público vem sendo revistado, logo na entrada. Estão sendo distribuídos para a plateia velas e copinhos com vinho, que serão usados em um momento da peça teatral. A montagem é protagonizada pela atriz transexual Renata Carvalho e foi reintegrada à 28ª edição do Festival de Inverno da cidade no Agreste do Estado. Faz frio em Garanhuns, com muita chuva.

No cenário, uma mesa simples montada como um púlpito de igreja, com uma jarra e um cálice de vinho. São três áreas diferentes no local, com 50 cadeiras cada e alguns espectadores já se posicionam para assistir ao espetáculo em pé, na casa de festasLume (rua Celso Galvão, número 1).

Em nova reviravolta na novela em relação à exibição do espetáculo, serão duas sessões nesta sexta-feira (27): uma às 17h, para o público que já havia comprado ingressos junto à campanha independente que foi realizada pela internet pelos próprios artistas, e outra às 21h, realizada pela Fundarpe, que precisou voltar atrás e pedir para usar a mesma estrutura obtida pela equipe da peça e artistas pernambucanos de modo independente, já que a instituição foi obrigada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco a reintegrar a peça à programação.

“Posso falar bastante sobre a jornada que esse espetáculo tem feito no Brasil e que, agora, encontra um ponto bem culminante, nosso episódio de censura mais grave. A gente considera isso uma doença de Estado contra o corpo travesti e os modos de existir fora da norma. Então, primeiro, só dizer o quanto esse movimento liderado por Chico (Ludermir), mas que agrega um monte de gente que está a aqui trabalhando de maneira voluntária, pondo o corpo, a energia, o tempo e os recursos para que esse trabalho não seja silenciado. Fica já, de cara, esse reconhecimento”, argumentou Natalia Mallodiretora da peça e que traduziu o texto, em coletiva de imprensa realizada antes da primeira apresentação. .

Mesmo a reinclusão da peça na programação do FIG é graças a esse movimento também, que resistiu e manteve o trabalho acontecendo na cidade. E dizer que a gente considera isso um caso de censura, que tem uma sinergia entre movimentos políticos, uma transfobia e uma violência já institucionalizada que atinge o corpo trans e os grupos ‘minorizados’ de uma maneira geral, e que ainda promove uma coisa que para o setor cultural é muito grave, que é a autocensura”, coloca Natallia.

“Isso gera um movimento em que instituições e organizações da cultura começam a se prevenir desse tipo de problema, fechando as portas e negando recursos a trabalhos como esse. Então, isso nos atinge. É uma violência simbólica e efetiva contra a Renata. Ela é agredida na sua identidade, em quem ela é. Também é uma coisa que fere todo o setor da cultura, perpetuando a exclusão daquelas vozes que são caladas historicamente”, disse Natalia Mallo.

Censura contra a arte

“Eles (Fundarpe) vieram a nós nos pedir para que ajudássemos a realizar, para consertar esse erro. A gente ficou muito indignado (com a exclusão da peça). Isso tirou a autonomia da curadoria, que é a coisa mais saudável que existe. E também por ser mais um caso de censura contra a arte. Ficamos muito feliz de ver uma artista desse alcance (Daniela Mercury) fazendo um discurso que, realmente, expôs a raiva que a gente sente diante dessas violências. Então, nos sentimos muito representadas no conteúdo e na forma também. Foi muito bonito e muito importante. O vódeo viralizou, movimentou a opinião pública, e trouxe para a gente mais visibilidade”, comentou a diretora.