Diego Kehrle – Mestre em Literatura e Culturalidade (UEPB), Licenciado em Letras (UAST), atualmente é Diretor Pedagógico do Colégio Francisco Mendes
É uma cena comum em qualquer escola: ao final do período, o professor entrega as notas aos estudantes ou às famílias e começam as lamentações, comemorações e comparações: Quanto você tirou? Passou? Ficou em quantas? Quanto vou precisar? O que vai cair na recuperação? Aquele trabalho não valia 4 pontos? Na minha época eu passei em todas e você ficou em matemática, filho!? etc…
Todas as perguntas são sobre números. Nada sobre o que foi aprendido, como foi aprendido ou pior ainda: sobre o porquê de aprender.
As notas nem sempre fizeram parte da escola. Foram importadas da Administração para a Pedagogia, com o objetivo de quantificar, classificar e avaliar a aprendizagem. No entanto, nesse processo de implantação esqueceram de consultar a Psicologia: centenas de estudos já comprovaram que o fato de receberem notas faz com que os estudantes percam o interesse naquilo que tem que fazer para passar. Ou seja, os estudantes são estimulados a passar, não a aprender.
Em outras palavras: os jovens não gostam de estudar e perdem a curiosidade por aprender pois, entre outros fatores, recebem notas. Se o que define a vida deles nas escolas é a escala de 0 a 10, usada para a classificá-los como acima ou abaixo da média, a sua única preocupação passa a ser alcançar esta média, estudar é apenas um meio para isso. O efeito da nota sobre os alunos é de que aprender não é importante, o fundamental é passar.
Quando recebemos uma recompensa ou punição por fazer ou não fazer alguma coisa, perdemos o interesse naquilo que temos que fazer para ganhar a recompensa ou para não receber a punição. Por isso, a nota é antipedagógica. Além de destruir a curiosidade, diminui o interesse do estudante em aprender e se aprofundar no que estuda, pois desloca o interesse para o “passar de ano”.
Resultado: temos um sistema escolar que ignora a psicologia básica. Em seus livros, os pesquisadores e professores Alfie Kohn¹ e Daniel Koretz², listam outros efeitos de atribuir notas aos estudantes:
Fila e decoreba antes da prova, já que “vale tudo” para passar. Insegurança e medo de falhar, mesmo em estudantes considerados “exemplares”. Induz os professores a prepararem aulas como se fossem treinamentos para provas e não com intuito de investigação, aprofundamento e compreensão.
Desconsidera as diferenças (de ritmos e tipos de aprendizagem) e estimula comparações muitas vezes destrutivas para a autoestima do estudante. Induz a preferência pelo caminho mais simples: “professor, se eu fizer apenas isso consigo alcançar a média? então, não vou fazer o restante”. Restringe o envolvimento do estudante, não indo além do necessário para alcançar a nota: “professor, isso vai cair na prova? se não vai então eu não vou estudar”.
O que vamos fazer? Continuar sacrificando as próximas gerações lhes negando a possibilidade de aprender em nome da “administração” do sistema? Ou vamos repensar as escolas para que o direito à aprendizagem, a curiosidade e o interesse em aprender tenham vez? Esta é uma escolha ética. Como disse Darcy Ribeiro, “a crise da educação no Brasil não é crise, é um projeto”. E você, por que acha que continuamos usando as notas apesar dos seus efeitos antipedagógicos? Existem outras formas de avaliar? Você já ouviu falar de avaliação formativa e feedback?
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¹ The Case Against Standardized Testing (2000)
² The Testing Charade (2020)
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