Da Folha de PE

A história começou em 9 de agosto de 1999, quando o então presidente Boris Yeltsin anunciou a nomeação do diretor do FSB, herdeiro da KGB soviética, como chefe de Governo. Analistas consideravam Putin um representante do serviço de Inteligência, com capacidade de acabar com a instabilidade política e a revolta no Cáucaso.

Também era visto como um homem de Estado eficaz que iniciou sua carreira ao lado do liberal prefeito de São Petersburgo, Anatoli Sobchak, e foi escolhido por Yeltsin para manter a Rússia no caminho da economia de mercado. Debilitado, o então presidente, que renunciaria em 31 de dezembro de 199 em favor do sucessor, explicou na televisão que Putin ficaria responsável por “consolidar a sociedade e garantir a continuidade das reformas”.

– Poder “sem limites” –
“No início de seu reinado, a Rússia, ainda pobre e com índice elevado de criminalidade, continuava sendo, no entanto, um país livre e democrático”, disse à AFP o jornalista da TV pública Nikolai Svanidzeh, que recorda um Putin “agradável e conversador, natural e com senso de humor” em seus primeiros anos de Kremlin. “Após 20 anos de poder sem limites, cercado de aduladores, o que é inevitável em nosso regime relativamente autoritário, certamente mudou, e não no bom sentido”, completa.

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No início, o primeiro-ministro Putin se mostrava relativamente tolerante e disposto a manter boas relações com os ocidentais. Já apresentava, porém, uma imagem severa e iniciou a segunda guerra da Chechênia, a base de sua popularidade, que permitiu sua reeleição como presidente na primeira década do século com 53% dos votos. Graças à abundância de petróleo, sua primeira década no poder foi marcada pela recuperação do nível de vida dos russos e do retorno de um Estado enfraquecido após a queda da URSS, incluindo os meios de comunicação controlados por ambiciosos oligarcas.

“O Putin de hoje não é o de 1999-2000: de liberal passou a conservador”, afirma o cientista político Konstantin Kalachev. O analista acredita que a mudança “foi desencadeada por sua decepção com os ocidentais”.

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– A era pós-Putin –

Em 2004, aconteceu um ponto de inflexão com a “Revolução Laranja”, que levou à presidência da Ucrânia um político pró-Ocidente. O Kremlin considerou o episódio uma interferência ocidental em seu território. Em 2007, Putin fez em Munique uma dura e muito recordada crítica aos Estados Unidos.

Depois, as crises não deram trégua: guerra na Geórgia em 2008; intervenção ocidental na Líbia em 2011, considerada uma traição por Moscou, que agora apoia Bashar al-Assad na Síria; crise ucraniana em 2014 com a anexação da Crimeia e depois o início de um conflito no leste do país entre as força de Kiev e separatistas pró-Moscou. “O conflito com o Ocidente transformou Putin em reacionário”, acredita o jornalista político Georgui Bovt, da rádio Business FM.

Na política interna, isto foi traduzido pela defesa de valores conservadores pregados pela Igreja Ortodoxa, em oposição a uma espécie de “decadência ocidental”, e com um retrocesso permanente das liberdades públicas em nome da ordem e estabilidade. O suposto fim de seu mandato deixa a classe política russa no limbo sobre suas intenções. Voltar a ser primeiro-ministro como em 2008-2012? Designar um sucessor como Boris Yeltsin em 1999? Criar uma função honorária que lhe permitiria movimentar os fios como acaba de fazer o homem forte do vizinho Cazaquistão?

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A questão é importante ainda mais porque a popularidade de Putin, estratosférica após a anexação da Crimeia, caiu desde o anúncio, no ano passado, de uma impopular reforma da Previdência, difícil de aceitar para uma população com baixa renda e em queda há cinco anos. “Atualmente, Putin e seu entorno buscam todos os meios para não partir”, afirma Bovt, para quem o presidente russo acredita que deve “cumprir uma missão histórica”.