Por Nill Júnior, radialista e editor do Blog do Nill, de Afogados da Ingazeira

A notícia da semana foi o anúncio do governo cubano de que repatriará os profissionais do Mais Médicos, alegando ameaças e declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro, assim como condicionantes que vão de encontro ao acordo de cooperação entre os dois países.

Só na região do Pajeú, mais de 120 mil pessoas de comunidades carentes, afastadas, isoladas, não viam historicamente a cor de um médico brasileiro, formado em sua maioria para status e dinheiro. Os cubanos preencheram com qualidade, humanismo e dignidade essa lacuna, em uma cooperação premiada pela OMS.

Quem escreve esta coluna tem uma visão moderada sobre algumas questões. Uma delas, de que não há “céu pleno” nem no capitalismo nem nos modelos de esquerda, rotulados de comunistas. Mas também não há só fogo e enxofre nos dois campos.

Da ditadura de esquerda da Venezuela,  por exemplo, nada se aproveita. Do modelo capitalista de Trump, também não. Mas deveria haver mais conhecimento do modelo de saúde e educação cubanas, duas das coisas que dão muito certo em um país pobre, penalizado por um embargo fruto de um regime que já pede a anos mais democracia e participação popular.

É essa radicalização é que mostra como o debate foi raso e pobre no Brasil. Não há exemplo melhor:  por ideologismo e falta de conhecimento, perdemos uma parceria que salva vidas onde médico formado no Brasil para carreira contaminada pelas chagas do capitalismo, não vai, salvo exceções.

Mais grave é a transferência de responsabilidades. Quem votou em Jair Bolsonaro sabia que isso aconteceria e inclusive pregou o fim das relações diplomáticas com a ilha. “Não vamos transformar o Brasil em uma Cuba”, pregavam. “Eu duvido quem queira ser atendido pelos cubanos”, afirmou o presidente eleito em meio à polêmica. Antes da eleição, já havia avisado: “Em 2019, ao lado de vocês, vamos dar uma canetada mandando 14 mil médicos lá pra Cuba”, avisou, falando a estudantes de medicina da Unicamp.

Assim, se você votou no Capitão e, como muitos nas redes sociais, torceu e foi às ruas por esse rompimento, por mais que se possa discordar nesse tema, parabéns pela coerência e por defender essa posição. Se diz, como Bolsonaro, que o programa “escraviza os médicos”, “que o dinheiro fica retido com a ditadura cubana”, que “médico cubano tem que provar qualificação como o brasileiro”, que “acabou a boquinha cubana”, etc, certamente não está entre os que pagarão o preço disso, mas ao menos não se esconde ao sabor dos ventos.

Alguns estão na região inclusive empolgados em ter candidaturas locais em nossas cidades amparados pela votação do candidato, um direito legítimo, mais ainda daqui a dois anos, quando o governo Bolsonaro já terá dito a que veio.

Agora, se está com o discurso de que não esperava, não sabia, ou de que a culpa é unilateralmente da “ditadura cubana”, desculpe a franqueza: ou foi enganado e é um alienado político, longe do prumo da história recente, ou lhe falta coragem para assumir a decisão que tomou.

Nos dois casos, assumam que para isso também escolheram o presidente eleito. Muitos comemoraram a indicação de Moro para Justiça, por exemplo, um passo que a princípio, teve mais aprovação que rejeição. Mas o efeito colateral dessa decisão – regiões pobres sem atenção básica – também é consequência de sua decisão, esperada e cantada aos quatro cantos. Voto tem consequências, umas boas, outras, nem tanto. Arquem com todas elas.