Refugiada que vive no Brasil vende quadros para tentar voltar à Ucrânia

Foto: Divulgação

Por G1

 

Um ano do conflito entre Rússia e Ucrânia se completa nesta sexta-feira (24) e segundo as principais análises e previsões, é pouco provável que a guerra termine em 2023. Uma refugiada que vive no interior de São Paulo há nove meses, decidiu voltar ao país de origem e agora está vendendo seus quadros para conseguir os recursos necessários.

Valéria Okorokova, de 22 anos, hoje mora em Sorocaba (SP) e contou ao g1 que entende que o retorno será complicado, mas que, mesmo assim, precisa voltar à Ucrânia para visitar os túmulos do pai e do avô. O pai dela morreu lutando no conflito, em outubro do ano passado.

“Minha alma sente falta da minha terra natal e de pessoas que me entendem, mas, por outro lado, não sei quando voltarei para casa, porque preciso ir em março, mas não sei quando saio do Brasil, e a situação na Ucrânia está muito tensa agora. Com a morte do meu avô e do meu pai, será difícil voltar para casa, mas preciso visitar o túmulo do meu pai, vender a casa e cuidar da minha avó, que ficou sozinha”, explica.

Além da ajuda da igreja que os acolheu, ela decidiu vender os quadros que pintou para arrecadar dinheiro e conseguir retornar ao país de origem.

“A situação continua muito tensa lá na Ucrânia. Ainda tenho uma avó acamada em minha cidade natal, Dobropolye, uma tia de Mariupol e outra tia em Donetsk. A Igreja Família nos ajudou financeiramente e nos aceitou em Sorocaba como refugiados. Não conseguiríamos ter vindo sozinhas, pois seria difícil atravessar o oceano sem apoio”, relata.

Fora do mercado de trabalho

 

Refugiada que vive no Brasil vende quadros para tentar voltar à Ucrânia
Famílias de ucranianos refugiados da guerra chega a Sorocaba e igreja realiza arrecadação — Foto: Amanda Euzébio/Arquivo Pessoal.

Embora estejam no Brasil há quase um ano, Valéria e a mãe não conseguiram arranjar emprego para se manter no país, nem para arcar com os custos da viagem de volta à Ucrânia.

Com dez anos de experiência em pintura por encomenda, a jovem tentou se virar em Sorocaba pintando retratos. Comprou o material necessário e fez cartões de visita, mas, como ainda não conseguiu aprender a se comunicar em português, seus serviços não foram procurados.

Já a mãe de Valéria, que trabalhou durante 15 anos como manicure, chegou a abrir um salão de beleza na cidade do interior de São Paulo. Ela alugou um quarto e comprou os equipamentos, mas também não teve demanda e precisou fechar o negócio.

“Meu pai morreu como um herói, defendendo meu país, no mês de outubro do ano passado. Ainda é muito difícil para mim falar sobre isso, pois perder um ente querido é uma dor insuportável. Por isso, preciso de ajuda para voltar a minha terra natal”, explica.

Valeria chegou a vender os quadros na igreja, mas agora eles estão expostos em uma livraria do Centro de Sorocaba onde podem ser comprados.

Refugiada que vive no Brasil vende quadros para tentar voltar à Ucrânia

Refugiada que vive no interior de SP vende quadros — Foto: Divulgação.

Reencontro com a arte

 

Em entrevista ao g1,em agosto do ano passado, a jovem relembrou os primeiros passos que a fez voltar a pintar e se reconciliar com a arte. Com apenas três meses em Sorocaba, Valeria chegou a restabelecer a relação com os pincéis e passou a criar obras de arte que foram expostas em um shopping na cidade.

A arte apareceu na vida da jovem aos 12 anos e nessa mesma idade, ela também estudou música, praticando aulas de violino e piano por quatro anos.

“Tudo começou com o fato de meu pai me colocar de castigo por alguma coisa. Resolvi copiar desenhos do álbum infantil do Pinóquio.”

Depois, frequentou aulas no estúdio de arte, que contribuíram para a criatividade de Valeria e a inspiraram a seguir a carreira de artista.

Em 2019, Valeria se formou na escola e passou a estudar artes na Universidade Nacional Oles Honchar Dnipro, mas não terminou o curso porque passou por uma “crise criativa” e ficou um ano sem pintar.

No ano seguinte a guerra começou no país. Ela morava na cidade provincial de Dobropolye, região de Donetsk. O pai de Valeria foi chamado para a frente da guerra, assim, ela, a mãe e a irmã, de 17 anos, foram forçadas a deixar o país.

Após chegar ao interior de São Paulo, no dia 20 de maio, e ser recebida por membros da igreja, um dos voluntários descobriu o dom artístico da jovem e a pediu para que pintasse um quadro. Durante o período em que viveu em Sorocaba, a ucraniana decidiu aprimorar sua técnica com ajuda da professora e artista plástica Cecilia Rodriguez.

“Faço desenhos e retratos há bastante tempo, desde 2011, mas foi só no Brasil que pude me abrir como pessoa e fazer minha exposição. Estudei com a Cecilia por cerca de dois a três meses, e sou muito grata a ela por ter me dado uma experiência inestimável em arte e pintura. Ela é uma pessoa maravilhosa, com um grande coração. É mais que uma artista para mim, é uma pessoa com letra maiúscula”, comenta.

As primeiras pinturas de Valéria são “O Leão da Tribo de Judá” e “O Cordeiro ao Matadouro”. Elas foram baseadas nas vivências cristãs da artista, quando a carreira dela estava prestes a começar.

Valeria contou que essas primeiras pinturas foram apresentadas na igreja para serem vendidas e, depois disso, foi convidada para fazer aulas com uma professora em Sorocaba.

Com a ajuda e o incentivo da professora, Valeria conseguiu expor mais de 30 quadros que pintou depois de chegar no Brasil, no Espaço Cultural Cianê, em Sorocaba. A exposição chamava “O mundo de Afelion”.