Do Diario de Pernambuco

Foto: Hector Retamal/AFP

Os serviços de inteligência dos Estados Unidos têm três meses para informar à Casa Branca se a Covid-19 surgiu na China a partir do contato com um animal ou de um acidente no laboratório do Instituto de Virologia de Wuhan, na províncie de Hubei (centro). O ultimato foi anunciado, ontem, pelo próprio presidente norte-americano, Joe Biden. “Pedi à comunidade de inteligência para que redobre os esforços na coleta e análise de informações que possam nos aproximar de uma conclusão definitiva e para que reporte a mim em 90 dias”, afirmou, em comunicado à imprensa. “Como parte deste relatório, solicitei áreas de investigação adicional que podem ser necessárias, incluindo questões específicas para a China.”

Biden também exigiu que o Congresso seja “totalmente informado” sobre o avanço da investigação. O presidente advertiu que “o fracasso em colocar inspetores” do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) “sempre dificultará qualquer investigação sobre a fonte da Covid-19”.

A pressão da Casa Branca para decifrar a origem do Sars-CoV-2 — que matou 3,4 milhões de pessoas no mundo, incluindo 454.429 brasileiros — ocorre no momento em que Austrália, Japão e Portugal pedem à Organização Mundial da Saúde (OMS) a apuração dos fatos sobre a origem da pandemia. Depois de visitarem Wuhan, no início do ano, especialistas da OMS concluíram que a transmissão da covid-19 a partir de um animal intermediário é uma hipótese “muito provável”. Segundo eles, a tese avalizada pelo ex-presidente Donald Trump de que o coronavírus surgiu de um incidente em laboratório é “extremamente improvável”.

Mais cedo, as autoridades chinesas acusaram os EUA de espalharem “teorias conspiratórias”. O jornal The Wall Street Journal publicou que teve acesso a dados secretos da inteligência americana relatando que três cientistas do Instituto de Virologia de Wuhan haviam apresentado, em novembro de 2019, “sintomas compatíveis tanto com os de Covid-19 quanto de uma infecção sazonal”. A informação, negada categoricamente por Pequim, sugere que o coronavírus possa ter “escapado” do laboratório em Wuhan. De acordo com Biden, os EUA seguirão trabalhando com parceiros para pressionar a China a participar de uma “investigação internacional completa, transparente e baseada em evidências”.

Prevenção

Cofundador do Instituto de Virologia Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland e da Rede Global de Vírus, e um dos cientistas que isolaram o HIV (vírus causador da Aids) nos anos 1980, Robert C. Gallo disse duvidar que Biden obtenha uma resposta definitiva em 90 dias. “Conhecer a origem do coronavírus pode ajudar na prevenção de futuras doenças. Nós devemos, pelo menos, tentar descobrir como o Sars-CoV-2 surgiu”, afirmou ao Correio.

Joel Wertheim, professor de medicina da Universidade da Califórnia, San Diego, concorda que a descoberta da origem do Sars-CoV-2 é importante para a compreensão do início da atual pandemia da Covid-19. “Isso também reduzirá a probabilidade de futuras pandemias. Uma das grandes questões sem resposta é como o Sars-CoV-2 veio do sul da China, onde vírus similares circulam, até a cidade de Wuhan, onde os primeiros casos humanos foram vistos”, explicou à reportagem.

De acordo com Wertheim, não existem evidências, no genoma do coronavírus, capazes de sugerir sua criação em laboratório. “O Sars-CoV-2 se parece com um coronavírus que circula naturalmente, embora nunca antes visto. Os coronavírus zoonóticos (transmissíveis de um animal para o homem) são frequentes. O Sars-CoV-2 é o terceiro coronavírus letal a surgir entre os humanos nas últimas duas décadas, precedido pelo Sars-CoV e pelo MERS-Cov. Apenas porque não encontramos um reservatório ou um hospedeiro, não significa que ele não exista”, comentou.

Ele admite, no entanto, que outros vírus escaparam de laboratórios antes, como o próprio HIV e H1N1 (influenza). “É muito mais provável que um microorganismo nunca antes visto tenha ‘saltado’ para humanos naturalmente.”