Folha de S.Paulo – Bruno Boghossian

Michel Temer reagiu com relativo otimismo às 254 páginas da nova denúncia apresentada por Rodrigo Janot. Sem acusações inesperadas ou provas surpreendentes, a papelada serviria apenas para alimentar a fogueira em que o governo lançou o procurador-geral, atiçada pela irritação de sua base aliada com a Lava Jato.

Ao tentar vender uma noção de tranquilidade diante de acusações graves contra o presidente, porém, o Planalto corre o risco de menosprezar as barreiras que terá que saltar para manter Temer no cargo até o fim do mandato.

Mesmo convicto de que terá votos suficientes para engavetar a denúncia, o governo verá o Congresso engatar uma marcha mais lenta nas próximas semanas, exatamente no momento em que tentava retomar velocidade em sua agenda econômica.

A nova acusação não tem o ineditismo da primeira denúncia, que o governo derrotou sem sustos significativos, mas é inevitável que as atenções do mundo político e os trabalhos do Congresso passem a se concentrar quase exclusivamente nessa pauta.

O infindável vaivém da reforma política revelou que os deputados têm dificuldade para tratar de dois assuntos importantes ao mesmo tempo. Enquanto as regras eleitorais eram debatidas, ficaram travados projetos considerados prioritários pela equipe econômica, como o programa de refinanciamento tributário do governo.

O contraste entre as expectativas positivas do Planalto e as previsões cautelosas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é sintomático.

Os auxiliares mais confiantes de Temer diziam ser essencial reabrir imediatamente as negociações da reforma da Previdência para que a proposta seja aprovada ainda este ano, livre de contaminações do debate eleitoral. A ideia era isolar a disputa sobre a denúncia e discutir as novas regras de aposentadoria paralelamente.

Maia trouxe o governo de volta ao chão. Disse que uma denúncia contra um presidente da República é sempre muito grave, “independentemente de qual é a agenda”. “Não tem como falar que haverá duas agendas relevantes no plenário da Câmara tendo uma denúncia contra o presidente do Brasil. O que temos que ter é paciência e equilíbrio”, afirmou.

Além disso, cada episódio de falta de sintonia entre Maia e o Planalto causa calafrios à cúpula do governo, que perdeu o sono com o receio de que o presidente da Câmara agisse para derrubar Temer, quando a primeira denúncia chegou ao plenário.

É quase consenso que o presidente deve se salvar. Temer adquiriu experiência de trocar integrantes de comissões, liberar emendas e destravar nomeações. Resta provar se conseguirá governar ao mesmo tempo em que gasta sua força para sobreviver.