Publicado às 06h19 deste domingo (13)

Por João Luckwu, poeta e escritor serra-talhadense

O “Momento Poético” deste domingo retrata a singularidade e o surrealismo do poeta Zé Limeira (1886 – 1954). Conhecido como “O Poeta do Absurdo”, foi um poeta cordelista e repentista, nascido na cidade Teixeira-PB.

Possuía um estilo próprio, usava os dedos anelados, uma bengala de aroeira, óculos escuros, um lenço colorido em volta do pescoço e um violão enfeitado com fitas. Sem muito apego à oração poética, que é a essência da própria poesia, era comum nos seus versos distorções no contexto histórico, bem como a criação de neologismos surreais.

Nas cantorias que fez mundo afora, sempre abria a apresentação com seus versos estapafúrdios.

“Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada
Cantando nas escritura
Saudando o pai da coalhada
A lua branca alumia
Jesus, José e Maria
Três anjos na farinhada”

(….)

“O meu nome é Zé Limeira
De Lima, Limão , Limansa
As estradas de São Bento
Bezerro de vaca mansa
Vala-me, Nossa Senhora
Ai que eu me lembrei agora:
Tão bombardeando a França”

(….)

“Aonde Limeira canta
O povo não aborrece
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce”

(….)

“Onde eu canto de viola
O povo chama São Braz
A otomosfera agita
Fica catingando a gás
Polda de jumenta nova
Rincha de cair pra traz”

(….)

“Eu já cantei no Recife
Perto do pronto socorro
Ganhei duzentos mil réis
Comprei duzentos cachorro
Ano passado eu morri
Mas esse ano eu não morro”

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Após a publicação no ano de 1973 do livro “Zé Limeira, O Poeta do Absurdo” escrito pelo também paraibano Orlando Tejo (1935 – 2018), a “poética limeiriana” ganha status nacional sendo o autor considerado pelos críticos por surrealista bárbaro, abstracionista, impressionista, futurista-nitidista, anarquista dentre outros conceitos.

Há quem sustente que Orlando Tejo criou o próprio “poeta do absurdo”, e que o personagem estaria mais próximo à criação literária do que propriamente ao contexto biográfico.

Em sua obra, Orlando Tejo relata que certa vez o governador de Pernambuco Agamenon Magalhães promoveu uma cantoria no palácio do governo e Zé Limeira, respondendo Otacílio Batista, fez a homenagem em versos à primeira-dama, dona Antonieta, que ficou marcada nos anais da cultura popular:

“Eu cantando pra Dona Antonieta
A muié do Doutor Agamenon
Fico como o Reis Magro do Sion
Me coçando na mesma tabuleta
Eu aqui vou rasgando a caderneta
De Otacílio Batista Patriota…
Doutor, como eu não tenho um brinde em nota
Que possa oferecer à sua esposa
Dou-lhe um quilo de merda de raposa
Numa casca de cana piojota”

Nem Jesus Cristo e a Virgem Maria escaparam das peripécias limeirianas:

“Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José
Passaram por Nazaré
Foram Betelelém
Chupô cana num engem
Pediu arrancho num brejo
De noite armuçou um tejo
Lá perto de Piancó
Na sexta-feira malhô
Foi que Judas vendeu Jésus”

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(….)

“Jesus nasceu em Belém
conseguiu sair dali
passou por Tamataí
por Guarabira também
Nessa viagem de trem
foi parar num entrocamento
Não encontrando aposento
dormiu na casa de um cabo
jantou cuscus com quiabo
diz o Novo Testamento”

(….)

“Jesus saiu de Belém
Viajando pra o Egito
No seu jumento bonito
Com uma carga de xerém
Mais tarde pegou um trem
Nossa Senhora castiça
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!”

(….)

“Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça
Com trinta ano depois
Sentou praça na puliça”

(….)

“Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum
Feliz da mesa que tem
Costela de gaiamum
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem comprimisso nenhum”

Outros versos do poeta que também ficaram famosos:

“O Marechal Floriano
Antes de entrar pra Marinha
Perdeu tudo quanto tinha
Numa aposta com um cigano
Foi vaqueiro vinte ano
Fora os dez que foi sargento
Nunca saiu do convento
Nem pra lavar a corveta
Pimenta só malagueta
Diz o Novo Testamento”

(….)

“Pedro Álvares Cabral
Inventor do telefone
Começou tocar trombone
Na volta de Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumento
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento”

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(….)

“Quando Dom Pedro Segundo
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e o mundo
O poeta Zé Raimundo
Começou castrar jumento
Teve um dia um pensamento:
“Tudo aquilo era boato”
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento”

Como se pode perceber nestes versos, o que parece ser incomum para a grande maioria das pessoas, torna-se algo espontâneo na linguagem limeiriana.

Neste contexto, inspirado no mote: “Eu querendo também faço, igualzinho a Zé Limeira”, do fenomenal poeta repentista Ivanildo Vila Nova, um dos maiores ícones da cultura popular nordestina, escrevi o poema entitulado “ZELIMEIRANDO” A POESIA – Eu também faço repente do jeito de Zé Limeira.

Um tal de Napoleão
Na guerra da Palestina
Bebeu álcool e gasolina
Comeu calango com pão
Comprou um carro de mão
pra vender “picuai” na feira
Se casou com uma freira
Do padre ficou suplente
Eu também faço repente
Do jeito de Zé Limeira

No batente da janela
Igual a meia parede
Eu fui armar minha rede
Que ganhei de Gabriela
Uma morena donzela
Feito água de biqueira
Pertinho da cumeeira
Tem um litro de aguardente
Eu também faço repente
Do jeito de Zé Limeira

O Corona-19
Que é primo do HIV
Tá famoso na TV
Se trovejar hoje chove
Vi no programa das nove
Que se pega do mosquito
Basta que se dê um grito
Pro caba fica doente
Eu também faço repente
Do jeito de Zé Limeira