Da Folha de PE

Nesta quarta-feira (8), representantes de religiões de matriz africana foram ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), onde entregaram um manifesto que pede o veto à lei que proíbe imolação de animais em seus ritos. O recurso, que está na pauta desta quinta (9) do Supremo Tribunal Federal (STF), com relatoria do ministro Marco Aurélio, foi interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-RS) que validou a Lei gaúcha 12.131/2004, que permite o sacrifício de animais destinados à alimentação nos cultos das religiões africanas. O processo é motivo pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal.

“Queremos que se faça justiça, que se cumpra a Constituição Federal, que se cumpra o ordenamento jurídico internacional do qual o Brasil é signatário e querendo respeito. O que está acontecendo é uma violação de direitos fundada no racismo religioso em razão do fundamentalismo ter avançado enormemente nos últimos anos aqui no Brasil”, disse uma das coordenadoras da Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco, Vera Baroni.

Para candomblecistas e umbandistas, a ação está envolta em preconceito, discriminação e racismo. “São três conceitos diferentes e quando se juntam, como bem analisou a Conferência de Durban, promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2001, geram é um sofrimento agregado, é um sobre o outro. Na verdade, qualquer cidadão tem direito de manifestar sua crença, só não pode violar o direito do outro. Estamos praticando uma crença milenar, internacional, e não podemos admitir que a nossa dignidade seja violada”, defendeu Vera.

Integrante do Coletivo de Juristas Negras, Ciani Neves, que também é candomblecista, explica que a justificativa de que há maus tratos a animais nos rituais é total falta de conhecimento sobre os ritos. “Nossa compreensão é de que somos todos integrantes do meio ambiente e quando um animal é oferecido, ele é festejado, colocado num espaço limpo, com água e comida. E quando é o momento da oferenda, se ele apresenta resistência, isso é respeitado. Quem comete maus tratos são os matadouros, e ninguém fiscaliza isso”, protesta.

O MPPE recebeu e apoia o manifesto, segundo o promotor de Justiça Marco Aurélio Farias da Silva, também coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça e Cidadania. Ele afirmou que a liberdade religiosa é um direito constitucional e que apenas existe se a importância de todos os ritos são respeitados. “Se eu tenho um rito diferente, o meu não pode prevalecer sobre o outro. E aqui a gente tem uma incompreensão sobre as religiões de matriz afro-brasileira. O Brasil tem que se incorporar a essa defesa, todos os povos que estão no território nacional”, argumentou. “Nosso GT (grupo de trabalho) Racismo já se posicionou e está acompanhando esse julgamento em Brasília, a gente não apenas compreende que essa manifestação tem lastro constitucional, mas não basta, hoje em dia, apenas tem o direito. É preciso defender esse direito”.

Direito dos animais
Presidente do Movimento de Defesa Animal de Pernambuco, Goretti Queiroz argumenta que a lei defende do direito dos animais, citando o artigo 255 da Constituição Federal e o artigo 32 da Lei 9.605/98, de Crimes Ambientais. Esta prevê pena para quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. “A gente não consegue entender como rituais podem matar animais quando a própria lei proíbe. Respeitamos as religiões, mas não podemos admitir que os animais paguem por uma religião que nem é deles”, disse. A reportagem tentou contato com o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, mas não obteve retorno até o momento.

No ano passado, a ministra Carmem Lúcia recebeu um grupo de sacerdotes e sacerdotisas do Candomblé, juristas e ativistas em defesa da liberdade religiosa e das religiões de matriz africana, que explicou que “o desconhecimento sobre o tema leva ao preconceito e afirmaram que o abate de animais para fins religiosos não é restrito às religiões africanas, também ocorre em países muçulmanos”, conforme noticiado pelo próprio STF.