Agamenon Magalhães 'batizava' avião com água do Pajeú

Publicado às 13h50 desta quarta-feira (23)

Por Luiz Ferraz Filho, Pesquisador e membro da Academia Serra-talhadense de Letras (ASL)

Podia ter sido trágico se não fosse cômico. Mesmo convivendo num período de grandes malevolências políticas, o mandatário Agamenon Magalhães, nascido nesses rincões esturricados de Serra Talhada (PE), recebia uma enxurrada de críticas assolapadoras na tentativa de arranhar ainda mais sua caricata imagem pública.

Vez ou outra alcunhado pela imprensa de epítetos de homem fútil, pueril ou desatinado. Do paço governamental, assistia ele com desprezo a amargureza de seus opositores, respirando a brisa da soberba em sua paróquia.

Em novembro de 1937, recebeu o arcebispado da interventoria de Pernambucano pelas mãos do Papa Getúlio, tornando-se a maior figura do getulismo no Nordeste. Tinha ele a ordenação episcopal em sua plenitude, para fazer sacramentos e conchavos na doutrina malaia.

A imprensa pasma, surpresa e enraivecida noticiava o batismo da modernidade da época. Ao lado de seus alguazis e rabovelas, Agamenon Magalhães surgia de terno branco e chapéu panamá no Aero Clube de Pernambuco. Os jornais cobriam com magnitude o ‘batismo do Caroá’, avião pertencente a indústria José Vasconcelos & Cia, pioneira da comercialização e industrialização da fibra do Caroá.

Era naquele momento o voo do primeiro avião de uma empresa particular na história de Pernambuco. A liturgia eclesiástica do batizado do avião seguiu dentro dos conformes. ‘Pouco antes das 10 horas teve lugar a solenidade, servindo para o ato, água do Rio Pajeú, colhida especialmente pelo senhor Metódio Godoy, em Serra Talhada.

O primeiro a banhar a hélice do PP-TIB com água do Pajeú foi o interventor Agamenon Magalhães. [… ] Batizado o Caroá, deu os seus primeiros vôos o interventor Agamenon Magalhães e suas filhas.

Cinco aparelhos do Aero Clube também voaram sobre a cidade, participando dessa revoada, jornalistas e familiares convidados’. Nos cânones do agamenonismo a água do nosso querido Pajeú fortificava e tornava inafundável o ‘navio dos ares’.

Em apoteose, em janeiro de 1942, a imprensa pernambucana informava que ‘o Recife viveu no setor da aviação, um dos seus grandes dias com o batismo do avião Caroá. […] O Ibura foi o ponto de convergência na manhã de ante-ontem (12) e a festa do Caroá registrou sem dúvida um dos maiores acontecimentos aviatórios’, informava o Jornal Pequeno.

Após o pouso, o vigário Magalhães rasgava elogios ao padrinho da criança. ‘O industrial José Vasconcelos é um desbravador de riquezas e assim criou no sertão uma riqueza – o Caroá. Sempre acreditou no sertão, sempre teve a fé na sua terra e por isso venceu. […] O Caroá só poderá contar vitórias porque foi batizado com água do Rio Pajeú. Neste avião eu vou ao Sertão’, finalizou Agamenon Magalhães ilaquiando a boa fé dos rabadilhas.

Sabia ele a arte de ludibriar a poeira dos incautos. Ao voar, demonstrava ele para seu rebanho a total confiança na segurança do aeroplano. Foi uma atitude de sagacidade. Calou as sovas de língua. Igualou-se aos imortais. Quis os Deuses do Olimpo que a água do Rio Pajeú não seguisse a sina do banho que faltou ao calcanhar de Aquiles. Eis a prova maior que as águas do Rio Pajeú foram beatificadas pelo arcebispo da Serra Talhada.

Devemos reconhecer em ‘Suum Cuique Tribuere’, que naqueles primórdios, Agamenon Magalhães foi pé quente. Uma baraúna sertaneja diante das trovoadas opositoras. Acabou perpetuando sua doutrina populista até os dias atuais. Até porque, seria trágico se não fosse cômico.