Bolsonaro, Hang e Malafaia: a presidência sequestradaPublicado às 06h23 deste domingo(2)

Do site Congresso em Foco

Por André Neto, pastor da Primeira Igreja Batista de Ubatã (BA) .

No último dia 17 de setembro, o presidente da República viajou a Londres para comparecer ao funeral da rainha Elizabeth II e, de lá, partir para mais um encontro na ONU, na cidade de Nova Iorque. Essa agenda não traria nenhuma atenção especial da imprensa, pois se trata do que é esperado de um Chefe de Estado, mas ao desembarcar na capital inglesa, Bolsonaro “surpreendeu” ao estar ladeado por sua esposa, Michelle Bolsonaro, e pelo pastor Silas Malafaia. A presença do pastor na comitiva poderia ser justificada pela necessidade de apoio espiritual ao casal presidencial, mas não é. Como também não há justificativa para a presença do empresário Luciano Hang no palanque das autoridades políticas nas comemorações do último 7 de setembro. A relação entre Bolsonaro, Silas Malafaia e Luciano Hang é pragmática, é pose para foto, é de interesse mútuo. O certo seria acionar a Polícia Federal, pois a presidência foi sequestrada.

Utilizando uma leitura simples do contexto, é possível perceber que o triunvirato ao redor do Bolsonaro é a incorporação dos capitais político, econômico e simbólico que cada um deles representa. Longe de ser uma relação igualitária e virtuosa, neste trinômio o poder político está capturado, pois lhe faltou (e ainda falta) competência para se impor frente os demais.

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Eleito, Bolsonaro logo apresentou sua agenda de trabalho golpista. Ele não desceu do palanque de campanha eleitoral assombrado por sua incompetência e, muito provavelmente, pela certeza de que está no lugar errado. Mesmo em solo britânico, o presidente não deixou de fazer campanha ao levar o pastor assembleiano. Mais importante que governar o país, para Bolsonaro, é a sua reeleição. Talvez os “demônios” citados pela primeira-dama sejam, na verdade, fruto do medo de serem descobertos. Por isso, desde o primeiro dia de governo, Bolsonaro se preocupou com a própria reeleição, garantindo para si e para os seus o “filé”: embaixada nos EUA para um, Colégio Militar para outra, sigilo sobre agenda, gastos do cartão corporativo, aumento real de soldo para militares. Leite condensado, Viagra e prótese peniana para os da reserva e o eterno medo de ser descoberto como impotente…

Afastados pelo espírito bolsonarista, os grandes capitalistas brasileiros deram espaço aos novos ricos, como Luciano Hang. Todos os políticos precisam de empresários apoiando sua candidatura e governo, isso é fato e não podemos ser ingênuos. Ainda mais quando uma das bandeiras erguidas é a ameaça comunista, é fundamental ter um empresário posando ao lado do candidato, pois isso transmite a mensagem de que o tal é a favor do capitalismo e o protegerá como um valor nacional. Hang tem que estar no palanque e cobra caro por isso. Sua presença caricata chama muita atenção, mas é útil. Hang precisa de Bolsonaro para, como amigo do rei, barganhar com fornecedores de produtos e créditos financeiros e assim ampliar o seu poder econômico. Este é o caso de capital político majorando o capital financeiro.

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Malafaia, por outro lado, sustenta uma biografia marcada pelo esforço de governar o país usando a mão de outro. Nas eleições sempre está indicando candidatos e vociferando contra desafetos. Não se importa em transformar congregação em gado, púlpito em palanque, culto em comício, hinos em jingles, Bíblia em santinhos de campanha. No seu último aniversário, não promoveu um culto de gratidão – o que se espera de um líder cristão – mas, um showmício de mau gosto, com trocadilhos com textos e referências bíblicas. A presença do presidente em seu aniversário lhe dá mais poder sobre o seu rebanho compondo a ideia de que a cruz e o cetro estão em seu poder.

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Bolsonaro está em xeque: sem apoio de Hang, perde a visibilidade do capital ao seu lado, sem apoio de Malafaia, perde capital simbólico que atesta a sua messianidade. A derrota de Bolsonaro é muito provável e, como consequência, veremos os três cada vez mais próximos, como náufragos que, sem bote salva-vidas, se agarram mutuamente buscando sobrevida.

Veremos mais religiosos ao lado do presidente e mais alarme anticomunista. O fim dele está próximo e ele não sairá sem se debater. Para os evangélicos emergirá o desafio de ressignificarem-se, de reconstruírem suas bases e sua reputação, especialmente se a grande perseguição esquerdista não vier. Se todo o discurso apocalíptico da ressurreição da esquerda for constatado como oportunismo de alguns líderes religiosos, os evangélicos terão trabalho de casa a fazer e expurgar os demônios internos, deixando a luz da razão brilhar novamente dentro de seus arraiais.