Publicado às 06h40 deste domingo (17)

Por Giovanni Sá, editor-geral do Farol

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem

O poema acima é do eterno poeta pernambucano Manuel Bandeira, e foi escrito em 1948. Não parece atual? Sim, muito atual. Bandeira descreve como ninguém dores da essência humana provocadas pela fome, um drama da humanidade, que no Brasil já tem traços de catástrofe. Aliás, nos anos 90, surgiu o termo ‘homem-gabiru’ para ilustrar a luta do homem por comida em lixões do Recife.

Avançamos em tecnologia, estamos gastando horrores para fazermos turismo no espaço, em Serra Talhada casarões surgem com arquiteturas extravagantes, mas a fome urra e tem cara feia. Segundo dados recentes divulgados pelo IBGE, mais de 20 milhões de pessoas passam fome no Brasil. Na prática, 20 milhões de brasileiros disseram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer.

O retrato da miséria que se avoluma pela falta de uma política econômica do governo Jair Bolsonaro tem rostos e exemplos. Somos a república da ‘fila do osso’, cenário de uma guerra silenciosa na periferia do Rio de Janeiro.

Mas o governo quer o povo armado até os dentes. Povo armado é povo livre, diz o capitão armamentista.

Em São Paulo, uma dona de casa que vive nas ruas, desempregada a cerca de dez anos, furtou dois pacotes de miojo, uma coca-cola e um pacote de suco em pó. Foi presa e solta esta semana. Tem cinco filhos, admitiu que estava com fome, mas que tem o sonho de ser gente.

O cenário de miséria criado pela fusão das ideias de Bolsonaro/Paulo Guedes já tem enredo próprio. Afinal, o ministro da Economia tem seu dinheiro guardado em local seguro, nos paraísos fiscais, e pobre tem que ter jogo de cintura. Furtar miojo, por exemplo. Ofereça um fuzil Ak-47 a qualquer família da periferia de Serra Talhada e uma cesta básica, e peça para fazer a escolha. Ora, povo alimentado, pensa. Fuzil não quebra os grilhões da fome.