RIO – O ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, disse que a origem da onda de protestos que varre o país pode estar no ritmo diferenciado de avanços sociais ocorridos na última década, com a renda no topo da população subindo com muito menos força do que na base. Para ele, os protestos nas ruas não são feitos “pelos mais pobres”.

Neri citou o fato de que enquanto uma família chefiada por analfabeto teve um ganho de 88,6% na renda per capita nos últimos 10 anos (2001 a 2011), em uma família cujo chefe era uma pessoa com 12 anos ou mais de estudo, o rendimento caiu 11,1%. Lembrou ainda que a renda per capita nas principais capitais do país tem alta de 3,1% em termos reais, entre junho de 2012 e maio de 2013. Na periferia, sobe 5,4%. Nas famílias com mais de seis pessoas no domicílio, avança 5% e tem alta de 6,3% para trabalhadores com menos de um ano de estudo.

— Tenho uma suspeita de que não é a mulher negra da periferia (que está nas manifestações) — afirmou. — Pessoas que estão na parte superior da distribuição, no lado belga da ‘Belíndia’ , talvez tenham razões para não estarem tão satisfeitas — disse, ao citar o termo cunhado pelo economista Edmar Bacha, em 1974, para marcar os contrastes do Brasil próspero – representado pela Bélgica – e da miséria da Índia.

Para Neri, o descontentamento popular, a despeito das melhoras nos indicadores sociais, pode ser explicado porque as desigualdades caíram com uma intensidade que superou a “zona de conforto” política.

Ele não descarta, porém, que entre os manifestantes possam estar também pessoas da “nova classe média”, aquelas que ascenderam à nova classe C há cerca de 10 anos, e que hoje pedem avanços também na educação e na saúde. Segundo ele, as aspirações de consumo são potencializadas pela internet.

— Talvez elas queiram outras coisas, para além do ganho de renda, (além) do ganho trabalhista, seja ganhos de saúde, de educação. As pessoas se acostumam às suas conquistas e querem mais. Por outro lado, quando você olha para o lado vê que os pobres estão ganhando mais, isso talvez possa explicar um certo inconformismo — disse.

Ele reconhece que o país vive um momento de incertezas com as manifestações e vê uma tendência de estabilidade para a trajetória de queda na desigualdade.

— O mercado de trabalho está dando sinal de desaquecimento, o que me preocupa é que todo aumento de renda decorre do salário — afirmou.

( Jornal O Globo)