Do Terra

Foto: Reuters

Parados na beira da rodovia estadual SP-264, em Salto de Pirapora, interior de São Paulo, caminhoneiros reclamaram de terem sido obrigados a aderir à mobilização a favor do presidente Jair Bolsonaro na manhã desta quinta-feira, 9. “É simplesmente uma pauta política, sem comando nenhum, pessoas ligadas ao atual presidente aí, fazendo essa arruaça”, desabafou o caminhoneiro Rafael Alves de Carvalho, de 38 anos, motorista de caminhão há 15 anos.

Morador de Leme, cidade localizada entre Campinas e Ribeirão Preto, ele contou que havia feito uma descarga de ração em uma empresa de Salto de Pirapora e retornava vazio quando precisou passar pelo bloqueio dos caminhoneiros. Como a abordagem foi ameaçadora, ele decidiu parar o caminhão. “Eu estava indo embora para minha casa e fui obrigado a parar aqui. Não tem uma pauta de reivindicação para os caminhoneiros, infelizmente. É uma paralisação política.”

Carvalho havia carregado o caminhão de madrugada e esperava retornar em tempo de pegar outra carga à tarde, mas não conseguiu ser liberado. Quando falou com a reportagem, ele estava havia quatro horas no acostamento da rodovia, vigiado pelos organizadores da mobilização. “Não vejo futuro nenhum (no movimento) para nós caminhoneiros. Não tem discussão de preço do óleo diesel, do gás de cozinha, redução no preço de alimento. É simplesmente uma pauta política.”

O caminhoneiro ouviu as lideranças pregando contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que não estaria deixando Bolsonaro governar, mas não concordou. “Se o presidente acha que o Supremo está incomodando, ele deveria mudar a forma de indicação dos ministros, pois a indicação para o Supremo é feita pelo próprio presidente. Não é fazendo essas paralisações que vai resolver o problema do supremo”, disse.

Carvalho fez questão de deixar claro à reportagem que estava ali porque era obrigado, por receio de sofrer alguma depredação no caminhão, caso se dispusesse a deixar o local. “Por mim teria ido embora, porque não tem uma pauta de reivindicação em prol da população. Não é uma pauta nossa, civil.” O caminhoneiro gravou áudio vigiado de perto pelos líderes da mobilização que, antes, disseram que não dariam qualquer declaração à reportagem. “Não temos nada para falar com vocês, que só criticam nosso presidente. Melhor procurarem outra coisa para fazer”, disse um dos líderes do grupo que segurava uma bandeira.

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O motorista Wilson Jesus dos Santos, de 60 anos, estava no local havia 13 horas. Ele foi parado às 10 da noite de quarta-feira, 8, e passou a noite toda à beira da estrada, sem comer. “Sou caminhoneiro há 20 anos e nunca participei de manifestação nenhuma, nem pensava em participar, mas me abordaram.” Ele disse que ficou com medo de furar o bloqueio, pois estava com um caminhão-tanque de combustível. “Está vazio, mas sempre há um risco. Quando parei, eles bateram palmas, mas nem sabem que eu queria mesmo era ter ido embora.”
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Santos contou que havia carregado em Barueri e seguiu com o combustível até Itapeva, no sudoeste paulista, onde fez a descarga em postos de abastecimento. Ele optou por retornar pela SP-264 para evitar os pedágios da rodovia Raposo Tavares, mas encontrou o bloqueio. “Votei no Bolsonaro, mas vejo que ele é difícil de tomar as decisões certas. Os combustíveis estão caros e acho que é mais por culpa dele. Estão falando em STF, mas o foco deveria ser o preço do combustível. Assim que me liberarem, vou embora.”

Outro a ser parado contra a vontade, o motorista Luís Ricardo de Toldo Camargo estava próximo do seu destino quando caiu no bloqueio. “Estava a 700 metros da minha empresa e fui obrigado a parar. Eles me seguraram. Não ia me arriscar a passar. Não sei o que estou fazendo aqui, não sei de reivindicação nenhuma que seja do nosso interesse”, disse. Meia hora depois da entrevista, caiu uma pancada de chuva e os líderes relaxaram a vigilância. Camargo aproveitou para sair com o caminhão, mesmo sendo xingado pelos manifestantes.

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O bloqueio era acompanhado por seis homens da Polícia Militar Rodoviária em três viaturas. Os policiais disseram ter havido um acordo para que não fosse barrada a passagem do caminhoneiro que quisesse seguir em frente. No local, um trecho urbano da rodovia, havia lombadas no asfalto, obrigando os veículos a reduzirem a velocidade. Quando um caminhão se aproximava, os líderes se postavam na pista com bandeiras do Brasil e instavam para que parasse. Quando o caminhoneiro seguia adiante, era insultado aos gritos.

Durante a chuva, no meio da manhã, os líderes se reuniram em uma barraca e avaliaram a possibilidade de trancar a estrada com caminhões de pedras, ou usando pneus queimados. Vários deles estavam com uniformes que identificavam empresas de transporte e autopeças, como a Duda Transportes e União Acessórios. Pelo celular, eles conversaram com outras lideranças e decidiram manter a mobilização da forma como estava. Azar do lavador de autos Gustavo Belchiol, de 19 anos, que saiu de casa muito cedo para trabalhar no lava-rápido, bloqueado pelos caminhões parados. “Estou esperando o que vai acontecer”, disse, conformado.

Por fim, um dos líderes da mobilização falou com a reportagem, com o compromisso de não ser identificado, mas permitiu a gravação da conversa. “A intenção nossa aqui é mais a questão do diesel, muito alto. Também chegamos a uma conclusão de que, independente do governador ou do presidente, estamos lutando mais por nós mesmos. Não por questão política e tal, é que chegou em um ponto no Brasil que não dá mais futuro para ninguém”, disse.

Perguntado sobre o STF, ele atacou a corte suprema. “STF é um ninho dos ladrões, na verdade, eles que soltam os…. Era para estar lutando por nós, aqui, seres humanos, pessoas que fazem a coisa certa, eles lutam só pelos bandidos, soltam só vagabundos”, afirmou. O líder disse que, se o combustível está caro, não é culpa do presidente. “É porque o STF, os governadores, os deputados, os senadores, é tudo contra ele e quer jogar em cima dele (sic), mas nós estamos cientes que não é ele o responsável por essa tragédia que estamos passando”, afirmou.

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O repórter quis saber a qual tragédia se referia e ele respondeu: “A questão de tudo, alimento, pedágio, a manutenção (dos veículos) que subiu demais, os insumos que sobem toda semana.” O manifestante disse que a rodovia, de pista simples naquele local, foi bloqueada totalmente às 18 horas de quarta-feira. Só ônibus, automóveis e ambulâncias eram liberados. Uma hora depois, com a chegada da polícia, houve negociação para a liberação das pistas para caminhoneiros que quisessem seguir viagem. Às 13 horas desta quinta, o protesto seguia, mas sem interrupção do tráfego. “Vamos ficar até a gente conseguir chegar a um ideal”, disse o líder.

No último boletim divulgado pelo Ministério da Infraestrutura, por volta das 15 horas, não havia mais registro de bloqueio total em nenhum ponto do País. De acordo com o Departamento de Estrada de Rodagem do Estado de São Paulo, às 16 horas desta quinta-feira, a manifestação em Salto de Pirapora continua. O balanço do DER informa que há protestos ainda na SP 250, km 228,7, em Capão Bonito; SP 563, km 0, em Teodoro Sampaio e SP 334, Km 406, em Franca. Nestes casos, os protestos não bloqueiam totalmente as pistas; ocupam o acostamento ou estão fora das faixas de rodagem. De acordo com o DER, os protestos em Paranapanema, Angatuba, Rinópolis, Mirante do Paranapanema e Bebedouro foram encerrados.