─ Você vai perder para poder vencer.

Esta tinha sido a resposta da Cigana que havia lido a sua mão certo dia na praça principal da cidade onde morava. Leila não conseguia entender tal mensagem, e desde então andava preocupada com a interpretação. Quando ela resolveu procurar a Cigana para ler sua mão e lhe contar sobre o seu futuro, tinha esperança de ouvir que Gerson seria somente seu. Há quatro anos era amante do seu chefe.

Algumas vezes ameaçara deixá-lo se ele não saísse de casa e assumisse publicamente o caso deles. Gerson prometia resolver o problema o mais rápido possível, pediu dois meses, quando o prazo se encerrou pediu mais dois meses, e nesse impasse estavam com quatro anos juntos. Leila sofria muito, principalmente nas festas de final de ano, natal e réveillon Gerson passava com a família, a ela cabiam às migalhas.

Eles nuca podiam aparecer publicamente, ele alegava que não seria bom para os negócios. A rotina de Leila era automática, saía de casa às seis horas da manhã, chegava ao local de trabalho meia hora depois e retornava no final da tarde. Tinha dia que não via o patrão/amante, quando isso acontecia ficava num torturante sofrimento interior, contava mentalmente as horas, para que chegasse logo a sexta-feira, dia sagrado da semana em que eles se encontravam num pequeno quarto de motel num dos bairros mais pobres da cidade.

Não estava mais agüentando a situação, mas também não tinha coragem de deixá-lo, o amava mais que as próprias decisões. Leila mantinha aquele romance mais secreto que um segredo de Estado. As amigas a indagava sobre ela nunca aparecer com um namorado, em tom de brincadeira falavam que parecia homossexual mal resolvido. Havia flagrado diversas vezes as colegas de trabalho tecendo inúmeros comentários de sua vida particular. Nada dizia e nem tentava desfazer os estragos das fofocas, sabia que entre todas, somente ela desfrutava dos prazeres proporcionados pelo patrão.

− Invejosas! Falava isso para si, como se aquela reflexão a ajudasse a ser mais feliz. Neste período fora fiel a Gerson, mesmo que para isso tivesse que pagar um alto preço. Nunca aceitara o convite de Orlando para sair. Ela sabia que ele gostava de verdade dela, desde a época da quinta série. Sempre inventava uma desculpa, prometendo aceitar na próxima oportunidade, que nunca chegava.

E assim passavam os dias: Leila presa a Gerson que nunca decidia assumir o romance. Por outro lado Orlando se prontificava a casar com ela que nunca aceitava tal proposta. Ela amava um homem que não a valorizava e desvalorizava outro homem que a amava verdadeiramente. Cada dia que passava aumentava o dilema.

A vida de Leila parecia permanecer desta forma por toda a eternidade. Mas o destino, muitas vezes muda às cartas que serão jogadas na próxima partida. E foi usada esta técnica numa certa manhã. Poucos minutos antes de sair para o trabalho Leila ligou a TV para conferir as noticias do telejornal local, como fazia todas as manhãs. Ficou pasma com a foto exibida na tela, esfregou os olhos e voltou a mirar a TV novamente, não havia dúvida era ele mesmo. Ela sentou-se no sofá, a visão ficou turva, o corpo tremia, os pulmões pediam socorro pela falta de ar. Conseguiu se controlar, porque precisava entender o que estava acontecendo. Atentamente ouviu o pronunciamento do jornalista:

            ─ O empresário Gerson Nogueira e sua amante Lindinalva foram encontrados mortos num quarto de motel no subúrbio, a principal suspeita e esposa da vítima está foragida. Quem souber o paradeiro desta mulher entre em contato pelo disk denúncia.

Enquanto o jornalista falava, a tela era preenchida por uma foto da mulher de Gerson e logo abaixo o número do disk denúncia. Leila sabia que a vítima podia ter sido ela. Ainda sentada permitiu que uma lágrima rolasse pela face, não por comoção, mas por medo e raiva por ter sido traída por Gerson com a vigarista Lindinalva. Tantos anos trabalhando juntas e nunca havia desconfiado de nada. Porém uma dúvida bailava em sua mente: será que Lindinalva sabia do caso dela com Gerson? Esta era uma pergunta que nunca teria resposta. Por fim Leila respirou pausadamente e falou:

            ─ Bem feito! ─ Ensaiou um sorriso, pegou o telefone e marcou um encontro com Orlando que ficara emocionado. Depois tomou um banho, vestiu a melhor roupa e saiu para o encontro. Só então decifrou a mensagem da Cigana: Perder para vencer! Para ela ganhar a felicidade e a liberdade era preciso perder o homem que pensava amar.

Antônio dos Anjos, mais conhecido por Viola, é escritor, poeta e presidente da Academia Afogadense de Letras.