PROCISSÃO
(OU JESUS NO XADREZ)
Cordel do Fogo Encantado  
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No tempo em que as estradas
Eram poucas no Sertão
Tangerinos e boiadas
Cruzavam a região
Entre volante e cangaço
Quando a lei era do braço
Do jagunço pau-mandado
Do coronel invasor
Dava-se no interior
Esse caso inusitado
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Quando Palmeira das Antas
Pertencia ao capitão
Justino Bento da Cruz
Nunca faltou diversão
Vaquejada,  cantoria
Procissão e romaria
Sexta-feira da Paixão
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Na quinta-feira maior
Dona Maria das Dores
No salão paroquial
Reunia os moradores
Depois de uma preleção
Ao lado do capitão
Escalava a seleção
De atrizes e atores
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Todo ano era um Jesus
Um Caifás e um Pilatos
Só não mudavam a cruz
O verdugo e os maus tratos
O Cristo daquele ano
Foi o Quincas Beija-Flor
Caifás foi Cipriano
Pilatos foi Nicanor
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Duas cordas paralelas
Separavam a multidão
Pra que pudesse entre elas
Caminhar a procissão
Quincas conduzindo a cruz
Foi e num foi advertia
Um centurião perverso
Que com força lhe batia
Era pra bater maneiro
Bastião não entendia
Devido a um grande pifão
Que tomou naquele dia
Do vinho que o capelão
Guardava na sacristia
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Cristo dizia: “ô rapaz,
Vê se bate devagar,
Já tô todo encalombado,
Assim não vou agüentar.
Tá com a gota pra doer.
Ou tu pára de bater
Ou a gente vai brigar.
Jogo já essa cruz fora,
Tô ficando aperreado.
Vou morrer antes da hora
De ficar crucificado”.
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O pior é que o malvado
Fingia que não ouvia
E além de bater com força
Ainda se divertia
Espiava pra Jesus
Fazia pouco e dizia:
“Que Cristo frouxo é você
Que chora na procissão?
Jesus pelo que se sabe
Num era mole assim, não.
Eu tô batendo com pena.
Tu vai ver o que é bom
Na subida da ladeira
Da venda de Fenelon.
O couro vai ser dobrado.
Até chegar no mercado
A cuíca muda o tom”.
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Naquele momento ouviu-se
Um grito na multidão
Era Quincas que, com raiva,
Sacudiu a cruz no chão
E partiu feito um maluco
Vap-vap e vuco-vuco
Pra cima de Bastião
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Se travaram num tabefe
Pontapé e cabeçada
Madalena levou queda
Pilatos levou pancada
Deram um cacete em Caifás
Que até hoje não faz
Nem sente gosto de nada
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Desmancharam a procissão
O cacete foi pesado
São Tomé levou um tranco
Que ficou desacordado
Acertaram um cocorote
Na cabeça de Timóteo
Que até hoje é aluado
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Até mesmo São José
Que não é de confusão
Na ânsia de defender
Seu filho de criação
Aproveitou a garapa
E deu um monte de tapa
Na cara do bom ladrão
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A briga só terminou
Quando o doutor delegado
Interveio e separou
Cada santo pro seu lado
Desde que o mundo se fez
Foi essa a primeira vez
Que Jesus foi pro xadrez
Mas não foi crucificado.