Do Diario de Pernambuco

Foto: Natalia Kolesnikova/AFP

Após a confirmação sobre a eficácia de 91,6%, reconhecida em publicação na revista The Lancet, e a retirada da necessidade do estudo clínico de fase 3 no Brasil para solicitar o uso emergencial de um imunizante, a Sputnik V se tornou forte candidata a ser incorporada ao Programa Nacional de Imunização (PNI). Os responsáveis pela vacina russa apostam na aprovação do uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda “nos próximos dias”.

Os desenvolvedores russos — com representantes da União Química, responsável pela produção da Sputnik V no Brasil — se reúnem, hoje, com o Ministério da Saúde para fechar a compra de 10 milhões de doses prontas, programadas para chegar entre fevereiro e março. O diretor de Negócios Internacionais da empresa que reproduzirá o fármaco no país, Rogério Rosso, estima o início da imunização com a vacina russa entre o fim de fevereiro e início de março.
Ele explica não ser necessário recomeçar do zero o processo de uso emergencial por se encontrar apenas interrompido na Anvisa. A União Química havia apresentado o pedido à agência, que devolveu os documentos por não apresentarem requisitos mínimos.
“O pedido foi gerado em 15 de janeiro e interrompido por não haver estudo de fase 3 no Brasil. Retirado esse pré-requisito, a avaliação pode prosseguir com complementação de todos os documentos ainda necessários”, afirma Rosso.
Na quarta-feira, ao excluir a obrigatoriedade dos testes no Brasil para o pedido de uso emergencial, a Anvisa explicou que o pedido da Sputnik V foi devolvido à União Química em 16 de janeiro, para que a empresa avalie os documentos e os reenvie. “Faltam informações basicamente relacionadas aos estudos que foram conduzidos na Rússia e outra sobre a fabricação da vacina no local de origem”, salientou o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes.
Complementar os dados não será um problema, garante Rosso. “A Anvisa demanda os dados brutos, que serão todos disponibilizados. Há, no entanto, a necessidade de adequar as informações geradas na Rússia ao padrão brasileiro”, observou. Por ser um processo já debatido e avaliado é que o diretor aposta no aval para a aplicação antes do prazo estipulado.
No tempo regulamentar, a Anvisa tem 30 dias para avaliar se autoriza o uso emergencial da Sputnik V, regra que se aplica às candidatas sem testes em voluntários brasileiros. Já a análise de iniciativas testadas em território nacional precisa ser feita em até 10 dias.
Rosso enxerga com entusiasmo as novidades que dão peso à vacina russa e acredita que será a próxima a ser incorporada ao Programa Nacional de Imunização (PNI). “A publicação da eficácia de 91,6% em uma das revistas científicas de maior peso comprova a potência da Sputnik V, que tem a vantagem de poder ser produzida inteiramente no Brasil, dando a autonomia necessária neste cenário de escassez”, explicou.
Por enquanto, a Sputnik V é a única que tem o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) já sendo produzido em território nacional. A vacina Oxford/AstraZeneca e a CoronaVac, apesar de preverem transferência tecnológica para produção independente, ainda não incorporaram totalmente o procedimento e, por isso, precisam de importar o IFA.
Medida provisória
E, ontem à noite, o Senado aprovou uma medida provisória que facilita a aquisição da Sputnik V — o texto aprovado segue, agora, para sanção do presidente Jair Bolsonaro. A MP também autoriza a adesão do Brasil ao consórcio multilateral Covax Facility, cuja participação carecia de regramento pelo Legislativo, pois era em caráter precário.
A medida também amplia a lista de países que servem como parâmetro para a liberação de vacinas para uso emergencial, pela Anvisa, em até cinco dias. Rússia, Argentina e Coreia do Sul se somam aos Estados Unidos, Japão, China e à agência de regulação de saúde da União Europeia. Atualmente, o prazo estipulado pela agência para avaliar pedidos sem testagem nacional é de até 30 dias.
Além da Sputnik V, o Ministério da Saúde mira a aquisição de outros 20 milhões de doses da indiana Covaxin para entrega até março. As duas candidatas possuem memorando de entendimento assinado com a pasta e, na ocasião, serão discutidos termos contratuais, cronogramas de entrega e valores a serem investidos.
Pegar “xepa” começa a virar prática
Depois dos fura-filas, a “xepa da vacina” começa a ser espalhar por várias cidades do país que estão imunizando com a Oxford/AstraZeneca contra a covid-19. Trata-se de pessoas que chegam no final do horário nas unidades de saúde, na expectativa de receberem o fármaco que sobrou do dia. Muitos não pertencem à faixa etária que está recebendo a injeção e, por causa disso, não conseguem. Mas há postos que não cumprem o que está previsto nos planos de vacinação e, para não desperdiçarem o medicamento, fazem as aplicações.
Como no caso dos agentes de viagem Régis Fernandes, de 70 anos, e Graça Oliveira, de 65. Faltavam poucos minutos para as 17h, quando chegaram ao Centro Municipal de Saúde João Barros Barreto, em Copacabana, Rio de Janeiro. Ali funciona um posto de vacinação contra a covid-19. Mesmo sem pertencer à faixa etária indicada para o dia (94 anos), queriam receber o imunizante. Não conseguiram, mas se dispunham a ir a outra unidade, na Zona Norte, na sua busca pela imunização.
“Soubemos que, na hora em que o posto fecha, as doses restantes de vacina são distribuídas a quem estiver presente e quiser tomar. Então, viemos esperar a ‘xepa da vacina'”, disse Graça. A “xepa” são os minutos finais das feiras livres, quando os comerciantes vendem os produtos perecíveis a preços mais baixos.
Essa distribuição de doses realmente aconteceu, no início da vacinação, em alguns postos. O motivo é que cada frasco da vacina da AstraZeneca/Oxford contém 10 doses. Depois de aberto, todo o conteúdo deve ser usado em até seis horas — do contrário, estraga.
No posto de Copacabana sobraram três doses no sábado e seis na segunda-feira, segundo funcionários. Todas foram distribuídas entre os presentes, para evitar que se perdessem. Mas, seguindo orientação da Secretaria Municipal de Saúde, à tarde passaram a ser aplicadas doses da vacina CoronaVac. “Por isso, aqui, não tem mais ‘xepa’. Antes passamos por outro posto, na Rua do Matoso, no Rio Comprido, que fecha às 20h e todo dia tem sobra”, disse Graça.
“Soube agora que, em Copacabana não tem, mas vou à Gávea, a Laranjeiras, vou fazer uma peregrinação”, contou o biólogo aposentado Enocir Mello, de 76 anos. Pelo cronograma da prefeitura, ele pode se vacinar somente a partir de 25 de fevereiro.
IFA da vacina da Fiocruz chega amanhã
Depois de muitos contratempos para a liberação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da China, o Brasil finalmente receberá, amanhã, os insumos necessários para a produção da vacina de Oxford/Astrazeneca, produzida em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O atraso na entrega da matéria-prima, cuja primeira remessa deveria ter chegado ao país em janeiro, resultou no adiamento de um mês (de fevereiro para março) na entrega dos imunizantes pela fundação. A aeronave com a carga decola ainda hoje, de Xangai.
Questionada sobre cronograma de entrega de imunizantes, agora com a chegada dos insumos, a fundação disse que detalhes serão divulgados apenas hoje. A Fiocruz só aguarda o princípio ativo para o início da produção, já que sua fábrica está preparada para finalizar as doses e distribuí-las ao Programa Nacional de Imunização (PNI). A primeira estimativa era de ofertar o primeiro milhão de unidades entre 8 e 12 de fevereiro e, nas sequências seguintes, ir aumentando o repasse, gradualmente.
As vacinas produzidas a partir do IFA da China precisam ainda ser aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que possam ser utilizadas na população. A Fiocruz entrou com pedido de registro da vacina junto à Anvisa na última sexta-feira. A partir daí, a Anvisa tem 60 dias para decidir se autoriza o uso ou não do fármaco.
No entanto, a expectativa é que esse prazo seja encurtado, visto que, atualmente, metade da documentação já consta com a análise concluída pelos técnicos. A agência afirmou que busca a superação dos prazos “para favorecer o acesso e apoiar as ações para o enfrentamento dessa emergência da saúde pública”.
A celeridade é possível uma vez que boa parte da documentação já foi previamente avaliada pela agência, tanto pela concessão do uso emergencial da vacina, quanto por meio do processo de submissão continuada, que permitiu o envio de informações à medida que fossem geradas. Até o momento, a fundação só havia importado 2 milhões de doses da vacina já pronta da Índia para dar início à vacinação no país e pediu o uso emergencial apenas para essas doses.
Hoje, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, participa do evento de lançamento do edital de licitação para construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS) do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação (Bio-Manguinhos/Fiocruz). Com isso, a Fiocruz poderá aumentar em quatro vezes a produção de vacinas e biofármacos.