Do Diario de Pernambuco

Foto: Kim Jae-Hwan/AFP

A data-limite estabelecida não poderia ser mais simbólica: exatamente duas décadas depois que a rede terrorista Al-Qaeda, apoiada pela milícia fundamentalista islâmica afegã Talibã, atacou Nova York e Washington, empurrando os Estados Unidos para a guerra mais longa de sua história. Até 11 de setembro, todas as tropas norte-americanas terão sido retiradas do Afeganistão. A decisão da Casa Branca, divulgada ontem pelo jornal The Washington Post, será formalmente anunciada, hoje, pelo presidente Joe Biden. Segundo o Post, o Pentágono manterá em território afegão milhares de militares além do prazo de saída de 1º de maio acordado pelo ex-presidente Donald Trump com o Talibã. Em resposta, o grupo insurgente avisou que não participará de uma cúpula sobre o futuro do Afeganistão, prevista para este mês na Turquia, antes da retirada total de tropas estrangeiras do país.

“Antes de que todas as forças estrangeiras tiverem se retirado completamente do nosso país natal, não vamos participar de nenhuma conferência que tomar decisões sobre o Afeganistão”, declarou, por meio de um tuíte, Mohammad Naeem, porta-voz dos talibãs no Catar. Não ficou claro se o Talibã retomará os ataques às forças dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que considera de ocupação — oficialmente, são 3.500 soldados norte-americanos e 7 mil da aliança militar ocidental.

Haroun Rahimi, professor de direito da Universidade Americana do Afeganistão e pesquisador vistante do Centro Oxford para Estudos Islâmicos, afirmou ao Correio que a decisão de Biden não é uma boa notícia para o processo de paz. “Trata-se de uma medida incondicional, o que significa que o Talibã não tem incentivos para participar significativamente do processo de paz, a fim de alcançar sua demanda central de retirada das tropas estrangeiras”, comentou.

Barganha
Segundo o estudioso, os talibãs buscam reconhecimento internacional e ajuda financeira dos EUA como condição para não retornarem ao status pré-2001, em que a milícia governava o Afeganistão. “No campo doméstico, a garantia de segurança pós-retirada das tropas dependerá da capacidade do governo e do Exécito de resistirem a possíveis tentativas de tomada das principais cidades, por parte do Talibã, na ausência de suporte aéreo dos norte-americanos”, disse.

Rahimi não se surpreendeu com a reação do Talibã. “Resta saber o que os EUA e seus esforços diplomáticos poderão fazer para pressionar os talibãs a participarem do processo de paz. Washington pode oferecer remover os líderes da milícia da lista de sanções ou pressionar o Paquistão a influenciar o grupo. Os talibãs querem obter mais vantagens em troca de engajamento nas negociações de paz”, observou o especialista.

A divulgação da retirada, por parte do The Washington Post, ocorreu no mesmo dia em que um relatório de inteligência trouxe perspectivas sombrias sobre a paz no Afeganistão. “O governo afegão terá dificuldade em manter o Talibã sob controle, caso a coalizão retire o apoio (militar)”, advertiu o documento, segundo o qual as forças de Cabul mantêm o controle da segurança das maiores cidades do país.