Como e o porquê da reforma política no Brasil

A persecução de um tipo ideal de administração do Estado não ocorre necessariamente porque as pessoas mudaram, mas principalmente pela criação de regras que surgem a partir de um sistema de incentivos específicos, incluindo o punitivo e o legal.

Tanto a lei das práticas corruptas na Inglaterra de 1854, que tentavam inibir a compra de votos e a propina, quanto à legislação criada em 1883 no mesmo país, com propósito de limitar os gastos em campanhas eleitorais, tornando as penas mais severas, são exemplos disto. Paulatinamente o mercado político torna-se mais controlado, ampliando a democracia e o controle sobre os agentes políticos, o que contribui para a redução das práticas clientelistas comuns (CAVALCANTI, 1969, p. 231).

O Estado pré-moderno se define de acordo com as relações estabelecidas entre o público e o privado, e possui quatro características básicas: a primeira corresponde a uma extensão da família real, em que não existia uma separação entre o orçamento da família real e o orçamento público, isto é, o dinheiro do soberano se confundia com o do Estado, o qual era encarado como propriedade privada da família do rei (ainda não existia uma clara definição de sociedade civil).

A democracia em curso no Brasil aponta para a necessidade de resolver problemas crônicos em áreas sociais, administrativas e políticas, como por exemplo, a pobreza, a educação e o financiamento político. Criam-se expectativas que apontam para a solução dos problemas que mais afligem nossa sociedade. Entretanto, a história contemporânea mostra que não é possível resolver todos os problemas de uma só vez. É necessário ir por etapas, enxergando as instituições como uma engrenagem que contribui para um todo nesta aceleração da redução das desigualdades (BUENO, 2001, p. 165).

“A democracia em curso no Brasil aponta para a  

  necessidade de resolver

  problemas crônicos em áreas sociais…”

O Brasil é um país que vem conquistando a duras penas a redemocratização, através da realização de pleitos eleitorais e pressão social exercida através de vários movimentos sociais. Estes, por meio de mobilizações, conseguem protagonizar iniciativas que vão proporcionando uma nova reflexão social e política nas decisões colocadas em pauta no congresso nacional, com o propósito de obter o controle necessário dos atos políticos e da administração.

O aprofundamento da democracia e a estabilidade da economia apresentam um terreno fértil para promover mais controle institucional, exigência da sociedade para melhorar as instituições. O problema do desvio de conduta não é apenas um problema policial, mas também um fenômeno que deve ser estudado de forma científica e tratado de forma racional, embora, em face de regras institucionais balizadas em jogo econômico perverso e ineficiente, não necessariamente moral.

A grande preocupação se dá a partir de estudos analíticos que buscam soluções para os problemas. A forma de se obter um diagnóstico preciso é estudando as instituições, para que se faça uma importante análise dos problemas e se busquem as soluções desejadas.

Aprimorar os mecanismos de governança e responsabilização representa, sem nenhuma dúvida, a grande arma e mecanismo para evitar os desmandos públicos. É necessário associar isto a um conjunto de instrumentos que seja fundamental para o aprofundamento da consciência de cidadania plena e da democracia.

Portanto, o estudo científico não exclui a necessidade de avaliar as normas do ponto de vista ético e moral e suas consequências, as quais, na grande maioria foram criadas por um Estado patrimonialista extremamente perverso, gerador de injustiça social e grandes desigualdades. Tornando muito comum sua associação à concentração de poder nas mãos de poucos e perpetuando a desigualdade econômica.

Para interpretar esta relação perversa entre desigualdade e desvio de conduta, é necessário entender que, sob a forma como o Brasil sempre tratou a relação entre público e privado, a sociedade enxergou e aceitou de forma tácita a desigualdade.

ESTUDOS

Os estudos feitos por nossos grandes ensaístas, a exemplo de Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Raimundo Faoro e Antônio Cândido, estão em sintonia quando analisam, no que diz respeito à forma pela qual o trabalho manual sempre foi desprezado, as relações do trabalho desenvolvido pelos senhores de escravo e pelos doutos.

O outro trabalho, no sentido mais estrito, sempre foi tarefa dos desqualificados, dos escravos. As atividades nobres, ligadas ao comando dos negócios, à academia, constituíam o meio de vida natural das elites (COTTA, 1986, p. 84).

O Estado brasileiro antecede a sociedade civil, e a gestão da coisa pública sempre esteve sob a direção desta elite douta, através de regras pouco claras sobre o bem comum. Essa elite se habituou a apropriar-se dos recursos públicos, utilizando-se das mais variadas formas, do nepotismo ao furto puro e simples. Observa-se que, desde o princípio, a propriedade no Brasil sempre esteve concentrada em poucas mãos. E a sua distribuição, que foi iniciada com o sistema de sesmarias e capitanias hereditárias, foi orientada e coordenada por critérios discricionários determinados por um estado majoritariamente formado por uma elite predadora (CAVALCANTI, 1969, p. 199).

“Aprimorar os mecanismos de governança e

responsabilização representa, sem nenhuma dúvida,

a grande arma e mecanismo para evitar os

desmandos públicos”

O princípio iluminista, considerado um pensamento liberal que propõe basicamente a igualdade de oportunidades diante da lei, impõe ainda uma distância a ser perseguida, de forma contínua e determinada, para se atingir um patamar de sociedades mais desenvolvidas e ricas, com padrões de distribuição de renda e riqueza mais equitativas.

Ainda se discute hoje como garantir maior equidade, em todos os sentidos, seja dos direitos humanos, direito do trabalho, à renda e à representatividade política. O Brasil é um país com um dos piores sistemas distributivos de renda do mundo, mas com uma sociedade que vem apresentando demandas através de iniciativas populares e institucionais nos últimos trinta anos, visando construir uma mobilidade social da grande maioria da sociedade.

Com o advento da redemocratização, o estado social passou a enxergar a necessidade de redistribuir a renda nacional, principalmente os tributos pagos pela população de classe média, a mais penalizada do ponto de vista fiscal. Em gestão iniciada em 2003, o Presidente Lula, que aprofundou e alargou a democracia brasileira, ganhou destaque com uma gestão de políticas públicas que visavam enfrentar as profundas desigualdades que permeiam a nossa sociedade, proporcionando um impacto profundo e de mobilidade social.

O símbolo do sucesso estava associado a pessoas que são bem sucedidas não por terem trabalhado, mas por terem sido suficientemente “espertas” para usarem seus “talentos natos”. Os brancos eram os portadores naturais do sucesso. A desigualdade e não a igualdade era o princípio básico da sociedade brasileira, tendo estas raízes um passado de políticas econômicas e sociais excludentes (HAGE, 2010, p. 45).

Não é possível desconsiderar aqui a visão de que aqueles que vivem na miséria e sem uma formação educacional são utilizados como instrumento de troca da moeda política, por falta de aprofundamento do sistema de controle social, o qual, no limite de imaturidade da nossa democracia, faz com que o convívio com tais práticas mantenha a sociedade com uma afirmação mais conservadora de práticas sociais. A luta, em particular, por edificar a sociedade de forma equitativa e justa, de liberdade e oportunidades, portanto, de renda, depende de uma luta cultural, na mudança de mentalidade, com disposição de persuadir para edificar a estrutura social. O primeiro passo talvez seja informar e mostrar os custos e as inconveniências causadas pela malversação do dinheiro público (CAVALCANTI, 1969, p. 195).

A relação de causalidade entre desigualdade e má gestão dos recursos públicos aprofunda a necessidade de despertar no inconsciente das pessoas que os direitos são para todos e que ninguém poderá ter mais direitos que outros. Mas o que ocorre é exatamente o contrário, isto é, uma aceitação tácita de que uns possuem mais direitos que outros, premiando inclusive aqueles que podem mais e, consequentemente, podem tudo, reconhecendo e referendando aqueles gestores que se apropriam da coisa pública, recebendo o prêmio da boa administração “empreendedora” do “rouba, mas faz”.

“A relação de causalidade entre desigualdade e má

gestão dos recursos públicos aprofunda a

necessidade de despertar no inconsciente das pessoas

que os direitos são para todos e que ninguém poderá

ter mais direitos que outros.”

O processo eleitoral em nosso país vem sendo objeto de muitos estudos, mas também de muitos questionamentos para conseguir tornar as regras mais claras e justas, no sentido de proporcionar igualdade na disputa entre os candidatos e partidos. O progresso neste âmbito exige melhores condições e equidade para ser justo. Muito oportuno, e necessário, aproveitar o cenário de redemocratização vivenciada na política de uma jovem democracia em evolução, para tornar clara a necessidade de uma reformulação do nosso sistema partidário e eleitoral.

Além das mudanças relacionadas ao funcionamento e das regras partidárias que escolhem seus candidatos, majoritários e proporcionais, não se pode perder de vista o indicativo de que esta reforma necessitará trilhar um caminho que esclareça a verdade sobre fidelidade partidária, arrecadação e gastos de campanhas eleitorais. Um processo eleitoral justo e democrático é respeitado quando as regras são claras, possibilitando o equilíbrio nas disputas e reprimindo o abuso do poder econômico, ensejando a igualdade entre os candidatos não apenas do ponto de vista formal, mas, principalmente, sob a ótica da verdade real (HAGE, 2010, p. 49).

É nesta circunstância que a legislação eleitoral, a partir de 1994, quando foram realizadas as maiores eleições do século passado no Brasil, volta a se deparar com premente necessidade de promover uma efetiva fiscalização do quantum despendido, com o objetivo de tentar igualar os desiguais, a partir da prestação de contas dos recursos utilizados na campanha eleitoral e por aqueles que cometem infidelidade, após a diplomação e posse.

“…esta reforma necessitará trilhar um caminho que

esclareça a verdade sobre fidelidade partidária,

arrecadação e gastos de campanhas eleitorais.”

 

* Nelson Pereira foi deputado estadual e Secretário de Esportes do Governo Eduardo Campos. Dentista e advogado,  hoje é primeiro suplente do PC do B na Câmara Federal.