Do G1

Muito antes das dancinhas do aplicativo TikTok viralizarem, uma banda da Bahia fez história ao conquistar milhares de fãs em todo o mundo com coreografias que fazem parte do imaginário popular. É o icônico grupo É o Tchan, que completa 30 anos de estrada em 2023 e, para celebrar, inicia, nesta quarta-feira (11), uma série de eventos comemorativos, que vão dar origem a uma turnê e um dvd.

Tudo começou de forma repentina no início dos anos 90, “por obra de Deus e dos Orixás”, conforme disse em entrevista ao g1 um dos líderes do grupo, Beto Jamaica. Ele e o Compadre Washington já se conheciam dos bastidores da cena musical em Salvador, pois faziam parte de grupos distintos, mas foi depois que ambos desfizeram antigas parcerias que surgiu a relação profissional, que resultou em uma longeva amizade.

“Eu tinha saído de uma banda e ele, de outra. Quando chego no Largo do Pelourinho, encontro ele lá, sentadinho, chorando, porque tinha terminado o Gera Samba. Eu tinha saído do Raiz do Pelô. Perguntei se ele queria que a gente fizesse o Gera Samba de novo, porque eu era muto fã dos caras, eu curtia muito. Nos unimos, encontramos uma galera boa e daí por diante começamos a fazer as festas de novo, tocar nos aniversários, nos casamentos”, recordou Beto.

Com a banda reformulada, o grupo fez uma incursão cultural por cidades como Feira de Santana, Cachoeira e Santo Amaro, com o objetivo de se aprofundar em uma paixão em comum: o samba do recôncavo. “O sucesso não veio por acaso, foi com muito trabalho e vontade de fazer música com esse estilo de samba raiz, valorizando a cultura do povo preto. Foi esse povo que me deu sabedoria”, disse Beto, que tem passagem pelo antigo Afoxé Zambi, pelo Muzenza e pelo Ilê Aiyê.

O que ele e Washington não esperavam é que o ritmo ganharia o mundo. De lá para cá, o Gera Samba virou É o Tchan, contou histórias de Portugal ao Havaí e vendeu mais de 12 milhões de discos. “A gente não tinha noção do que aquilo ia gerar. Claro que a gente queria fazer estourar, ganhar dinheiro, porque precisa disso para viver, mas, acima de tudo, a gente sempre cantou por amor. Eu não faço música só para ganhar dinheiro, faço música porque gosto de cantar”, declara.

No começo, o samba duro era a base das canções, no entanto, o empresário Cal Adam sugeriu que eles fizessem o “samba coreografado”. “Quando ele deu essa ideia, captei rápido e pensei: ‘vamos fazer as músicas coreografadas’. Aí começamos a fazer as composições já pensando nas coreografias, algo que hoje os cantores fazem para bombar as músicas nas redes sociais. É uma fórmula antiga nossa”.

“Sem dúvidas, somos pioneiros das danças. O Tchan hoje é um movimento, não é mais só uma banda. E foi esse movimento que evoluiu e chegou onde se vê atualmente, das coreografias na internet. Antes, era a gente nos principais programas de tv. Se você observar, não tem muita diferença, parece uma coisa só. Isso é um legado do Tchan”.

O É o Tchan era presença garantida nos principais programas de rádio e televisão do Brasil entre os anos 90 e 2000, e virou uma verdadeira febre. O auge foi em 1997, com o cd ‘Tchan do Brasil’, que comercializou 2,7 milhões de cópias e recebeu a rara certificação de Disco de Diamante Duplo, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos.

Esse cd está entre os 20 mais vendidos da história do país e emplacou hits que ainda fazem parte do repertório da banda, como “Bambolê”, “Mão Boba”, Dança do Põe Põe” e “Disk Tchan”. Para além disso, o grupo lançou incontáveis produtos licenciados, como roupas e calçados, bonecas, doces, brinquedos e muito mais.

E foi “segurando o tchan” que figuras como Carla Perez, Jacaré e Débora Brasil, se tornaram celebridades, assim como as Sheilas, Mello e Carvalho, que se tornaram integrantes do grupo através de votação popular em um dos principais programas da história da televisão brasileira.

Em meio aos altos e baixos comuns em carreiras, o Tchan se mantém relevante e não cai no esquecimento. “Isso porque a gente sempre busca tendências, mas sem perder a essência, as brincadeiras, o ritmo. O próprio TikTok nos ajuda a atrair novos públicos. Tem gente dançando nossa música com a coreografia original, tem gente que inova nos passos, e aí os fãs vão se renovando”, explica Beto.

Nessa temporada, a aposta do Tchan é a música “Casa de Bronze (Marca da Fitinha)”, que fala sobre bronzeamento feito por mulheres nas lajes das comunidades. “É um assunto da moda, atual, mas com nossa pegada. Tem dancinha e tem o nosso samba tradicional para agradar a todo mundo”.

“A gente não pode parar com esse samba duro, senão vai acabar. Quem ainda segue um pouco na mesma linha nossa é o Harmonia do Samba. Essa raiz não morreu, ela está viva, então temos que renovar, ir adubando e botando uma ‘aguinha’, para que ela se mantenha sempre forte. Vamos observando as novas tendências, observando os caminhos dos outros, mas sempre seguindo o nosso próprio caminho”, comentou Beto, sobre as bandas de pagode que surgem na Bahia, nos últimos anos.
Para ele, o segredo para manter um público cativo, fiel, é justamente inovar, sem abandonar as origens. “Hoje eu ouço algumas letras [de pagode] e fico realmente sem entender, porque não era para ser assim. O Tchan o nunca vai ser sexual, sempre foi sensual. A gente traz essa malícia, essa brincadeira que já vem de ”mamãe eu quero mamar’, ‘da pipa do vovô não sobe mais’, das marchinhas dos antigos carnavais que já contavam duplo sentido, mas não com essa força de hoje, desse modo explícito. Não é nosso estilo. Sabemos nossos limites”, defende.