Publicado às 06h desta quinta-feira (21)

Por Luiz Ferraz Filho, pesquisador e membro da Academia Serra-talhadense de Letras

Uma vaca matou Zé Marcolino e eu não dava José numa boiada. É através desse penoso mote, que lembraremos dessa fatídica data de 20 de setembro de 1987, quando faleceu o lendário poeta José Marcolino Alves. Nascido em 28 de junho de 1930, na Fazenda Várzea Paraíba, em Sumé – PB, ainda garoto se esquivou da atividade rudimentar para ser um entusiasta da poesia popular nordestina, participando de encontros e cantorias com os poetas repentistas naquelas veredas do cariri paraibano.

Aquele curiboca das terras flageladas por várzeas desnudas, acalentava o sonho de um dia ter suas composições gravadas na voz do Rei do Baião. Escreveu diversas cartas, mas somente em 1961, foi possível um breve encontro. Desanimou quando percebeu o desinteresse de Luiz Gonzaga. Meses depois um novo encontro e a genialidade floresceu. Foi convidado por Gonzaga para viajar ao Rio de Janeiro, onde gravariam um disco com seis composições de autoria de Marcolino. As mais célebres foram ‘Serrote Agudo”, ‘Pássaro Carão’, ‘No Piancó’ , ‘Sertão de Aço’ e ‘Matuto Aperriado’.

Nos anos seguintes, vieram novas composições na voz de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Santana, Petrúcio Amorim e Flávio José, que imortalizaram o poeta José Marcolino. Entre elas, as célebres ‘Numa Sala de Reboco’, ‘Cacimba Nova’, ‘Saudade Imprudente’, ‘Cantiga de Vem Vem’, ‘Fogo Sem Fuzil’, ‘Caboclo Nordestino’, ‘Quero Chá’ e ‘Bota Severina Pra Moer’. Os versos dessas lindas canções entoam até hoje na memória do povo sertanejo.

Vindo residir em Serra Talhada (PE) no final da década de 60, presenciando ele o sucesso de ‘Numa Sala de Reboco’, tornando-a um clássico da musicalidade sertaneja, onde o poeta rememorava o amor do matuto dançando feliz na tapera de morada:

“Todo tempo quanto houver pra mim é pouco/ Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco/ Enquanto o fole tá fungando tá gemendo/ Vou dançando e vou dizendo/ Meu sofrê pra ela só/ E ninguém nota que eu tô lhe conversando/ E nosso amor vai aumentando e pra que coisa mais mió”.

Em outra brilhante canção, chorava ele a saudade do apogeu das velhas fazendas sertanejas: “Fazenda Cacimba Nova foi bonito teu passado/ Ainda estás dando a prova / Pelo o que vejo a teu lado/ Um curral grande, pendido / Um carro velho, esquecido Pelo Sol todo encardido / Sentido, sem paradeiro / Falta de juntas de bois / Que lhe levavam de dois / Obedecendo ao carreiro”.

Infelizmente, a flora agonizante da caatinga esperando o cheiro das trovoadas e que foi inspiração para muitos versos do poeta, tornou-se a maior testemunha daquele trágico acidente na PE-365, em Carnaíba (PE), quando a poesia nordestina emudeceu. Na primeira Missa do Poeta, realizada em 1988, em tributo a memória de Zé Marcolino, um dos maiores repentistas da nossa história, Ivanildo Vila Nova, lamentou aquele triste dia 20 de setembro, quando nosso querido poeta sussurrou suas últimas palavras:

“Foi a vaca o motivo desse choro / Sem querer nos causou tanta saudade / Um poeta tem mais utilidade / Do que carne de vaca, leite e couro / Era filho de Sumé e valeu ouro / Criatura telúrica e inspirada / Escreveu um poema pra estrada / E sucumbiu nas estradas do destino / Uma vaca matou Zé Marcolino / E eu não dava José numa boiada”.

Deixou viúva a senhora Maria do Carmo Alves e numerosos filhos, entre eles, os artistas Bira Marcolino (cantor e músico); Fátima Marcolino (poetisa e compositora); Walter Marcolino (cantor e músico) e o Dr. José Anastácio Alves (médico cardiologista). Já os netos Walter Junior (cantor e músico) e Itamar Marcolino (radialista e músico) pertencem a terceira geração de artistas.