Do Diario de Pernambuco 

Ameaçando um dos principais destinos turísticos da Chapada dos Veadeiros, um incêndio florestal de grandes proporções toma conta de uma área particular de preservação ambiental. A região de Cerrado nativo fica na Serra do Paranã, no município de São João d’Aliança (GO), a 160km de Brasília. Há dois dias, as chamas consomem um perímetro de mais de 400 hectares — o equivalente a cerca de 560 campos de futebol. No local, há famosos atrativos naturais, como a Cachoeira do Label — a maior de Goiás, com 187 metros de altura — e o Complexo Veadeiros, ponto que recebe visitantes e fechou nessa terça-feira (13/7), devido ao risco de queimadas.

Moradores da ecovila Condomínio Habitat se mobilizaram para fazer a primeira etapa do trabalho de combate ao fogo, no fim da tarde de segunda-feira (12/7). À noite, receberam apoio de agentes do Corpo de Bombeiros Militar de Goiás e da Rede Contra Fogo, grupo de voluntários treinados para essas situações que trabalha pela proteção e preservação da Chapada dos Veadeiros, assim como do Cerrado brasileiro.
O combate às chamas se estende pela madrugada. Uma base foi montada em uma das chácaras ameaçadas pelo incêndio. As equipes de bombeiros e voluntários se dispersaram no início da manhã de ontem e, no fim do dia, prometeram voltar ao local do incêndio com reforços. Moradores da comunidade tentaram controlar o fogo, mas, com poucas pessoas disponíveis e sem equipamentos apropriados, viram as labaredas ganharem força.
Apesar disso, a população não interrompeu os esforços. Com uma ativa rede de comunicação via WhatsApp, os habitantes de São João d’Aliança articularam mutirões para alimentar pessoas que atuam na linha de frente do combate às chamas; organizaram o transporte de brigadistas da Rede Contra Fogos — sediada em Alto Paraíso (GO), a cerca de 60km do foco de incêndio; convocaram mais pessoas; e compraram equipamentos necessários.
Nesta época do ano, a seca severa favorece a ocorrência de queimadas, muitas vezes iniciadas ilegalmente. Ainda não se sabe a origem do incêndio na região, mas, para o engenheiro florestal Felipe Stock, descobrir a causa em situações assim é complexo. “Pode ser um descuido antrópico, uma limpeza ou queima de área e até (ato) criminoso. Também pode ser natural. Estamos em uma época de clima seco. A vegetação fica mais propensa a esse tipo de ocorrência. É muito difícil identificar”, ressalta.
O engenheiro destaca o perigo da tragédia para a biodiversidade local. “Podemos perder animais, vegetação, há intensa liberação de carbono e alteração na paisagem. É uma área turística. Ela perde o atrativo de visita e a beleza cênica”, pontua. “Em termos de população, há ameaça às casas e à integridade das pessoas, que precisam fazer uma organização comunitária para combater o fogo. Nessas proporções, é muito perigoso”, afirma Felipe.
A região é rica em biodiversidade, tem inúmeros vegetais típicos do Cerrado — bioma extremamente ameaçado de extinção —, além de centenas de espécies de animais silvestres, como lobos, antas, veados, porcos-espinhos e uma infinidade de aves.
Cachoeira fechada e plano em estudo
Proprietária do Complexo Veadeiros, uma das cachoeiras mais visitadas da região, Eleusa Teles preferiu fechar o espaço para visitantes ontem, devido ao risco decorrente do incêndio florestal. Ela conta que decidiu ajudar no combate às chamas na região durante boa parte do dia, acompanhada da família. “A pé e a cavalo, nosso grupo conseguiu debelar o fogo que vinha em nossa direção. Ainda assim, vamos aguardar até quinta-feira para retomar a atividade com o público. Esperamos estar em segurança, se Deus quiser. Tem sido um grande sufoco, especialmente para a comunidade do condomínio”, comenta.
Secretário de Meio Ambiente de São João d’Aliança (GO), Geraldo Bertelli considera que a situação provoca bastante apreensão. “O município ainda não conta com uma brigada contra incêndios. Em parceria com o Corpo de Bombeiros de Planaltina de Goiás, temos um plano em estudo que aponta fontes de água para captação, em caso de queimadas florestais. Esse mapeamento está feito, mas faltam recursos materiais e humanos para remediar essa situação mais facilmente. No momento, o que podemos oferecer são alguns abafadores e um soprador para combater as chamas”, detalha.
Enquanto uma estrutura oficial não se estabelece para esse tipo de emergência, o trabalho pesado fica a cargo dos voluntários da Rede Contra Fogo. Contudo, isso não é suficiente, segundo o coordenador do grupo, Amilton Sá. “A sociedade civil pode fazer a diferença. Com recursos próprios, conseguimos evitar uma tragédia maior, agindo por mais de 24 horas, mas é preciso que o Estado mobilize as forças de segurança necessárias para resolver a situação definitivamente. Por enquanto, não há previsão de quando as chamas serão controladas, pois faltam combatentes e mais equipamentos”, reforça.
Memória
Maior incêndio da história
Em 2017, o agravamento de queimadas no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros fez a Prefeitura Municipal de Alto Paraíso de Goiás (GO) declarar situação de emergência na cidade. À época, um incêndio consumiu uma área com mais de 35 mil hectares — o equivalente a 49 mil campos de futebol. A tragédia colocou em risco fauna, flora, além da população das áreas rural e urbana, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal gestor da reserva ambiental.
O fogo culminou no fechamento do PNCV para visitação. Moradores e voluntários de outras cidades presenciaram o caos na região, tomada pelas chamas e por intensa fumaça durante nove dias. Na ocasião, o ICMBio informou que a origem do incêndio foi criminosa. A queimada foi considerada a maior da história do parque.