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Foto: Alexandre Aroeira/ Folha de Pernambuco

“2011 aconteceu uma cheia e eu perdi tudo. Há 7 anos, deu um curto circuito pegou fogo, ficamos com a roupa do couro, eu e os meus filhos. E agora em 2022 de novo, e eu estou no mesmo canto, desmancho, faço, vem a doação e eu faço de novo”. Daniela Maria Ramos, de 33 anos, moradora da comunidade do Chiclete, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife, não sabe mais quantas vezes precisou recomeçar. Novamente, ela sente a dor de perder os seus pertences com a tragédia das inundações devido às fortes chuvas no Estado.

Lama, pernilongos e o mau cheiro tomam conta da casa de Daniela. Ela, os filhos e o marido saíram com a água no pescoço. A dona de casa mora na comunidade com o marido e os quatro filhos: Rhuan, de 7 anos; Rhodolffo, de 8 anos; Emmilly, de 10 anos; e Darlan, de 15 anos.

Daniela Maria Ramos, de 33 anos, moradora da comunidade do Chiclete. Foto: Alexandre Aroeira/ Folha de Pernambuco
Os quatro filhos e Daniela estão abrigados na Escola Municipal Diná de Oliveira, que é uma das 111 instituições que estão recebendo as mais de 9.300 pessoas que estão desabrigadas devido às enchentes em Pernambuco. No local, estão cerca de 600 pessoas, o que equivale a 200 famílias.

A maioria das famílias que estão na escola são das comunidades ribeirinhas Chiclete e Ayrton Senna, na Iputinga. Apesar de Daniela e os filhos estarem no local, o marido precisou ficar na casa para evitar que outras pessoas pegassem os móveis que sobraram.

“Queria pedir uma posição para ver se a gente vai ficar ali ainda, se vão dar alguma coisa para a gente. Toda vez que chove, a gente tem medo, não dorme, fica vendo se vai entrar água para corrermos. Em casa tem muita sujeira, não tem energia, é tão escuro e tem muita muriçoca. Está fazendo sol, tem gente que está lavando já, mas não posso voltar, porque não tem energia. A gente não pode ficar aqui tanto tempo, a gente precisa ir para casa também e as crianças precisam estudar”, pontuou Daniela.

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A dona de casa Rosália Batista de Santana, de 43 anos, e a neta de 6 anos, Miriam Victoria, moram na comunidade Sucupira, que também fica na Iputinga. É a segunda cheia que ela enfrenta no local. Ela e a sogra estão, também, abrigadas na escola.

“É a segunda vez que a gente perde tudo. Perdi guarda-roupa, cama, estante, mesa, tudo que tinha dentro da minha casa perdi, só não perdi minha vida, nem a vida da minha neta que tem seis anos e os meus cachorros conseguiram salvar ainda, mas o resto ficou tudo para trás. Aqui estou sendo bem atendida, mas em casa não consegui recuperar nada”.

Rosália relata que, desde a primeira vez que a água entrou na sua casa e ela perdeu tudo, nada mudou e a promessa de uma moradia mais digna ficou no papel. Um habitacional foi construído ao lado das comunidades, mas não foi destinado à população local.

“Desde a segunda cheia, nada mudou, só promessa, e deixaram a gente lá. Temos que ficar lá porque estamos desempregados, eu dependo do auxílio [Auxílio Brasil], sou desempregada, tenho minha neta, vou para onde sem ter lugar? Queria que olhassem um pouco para nós, verdadeiramente, estamos precisando sair dali para não enfrentarmos mais essa situação”, explicou Rosália.

Ao lado mora Maria José Amâncio dos Prazeres, de 74 anos, sogra de Rosália. Maria é hipertensa e necessita de acompanhamento médico constante. Ela foi socorrida da casa inundada pelos moradores.

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Grávida de três meses e mãe de outras quatro crianças, a dona de casa Maria do Carmo, de 30 anos, disse que a água começou a subir por volta da uma da manhã no sábado (28) e tudo aconteceu muito rápido. Apenas a televisão e o fogão conseguiram ser salvos e o resto foi perdido. Ela foi retirada da casa com a água já na cintura. A única renda de Maria é o Auxílio Brasil no valor de R$ 400.

Maria do Carmo, de 30 anos. Foto: Alexandre Aroeira/ Folha de Pernambuco
“A minha casa e a da vizinha foram mais atingidas, porque ficam de frente à maré mesmo. Aqui está ótimo, eles estão ajudando muito, a gente almoça, lancha, roupa eles estão doando, fralda, leite. Por enquanto, eu não vou poder retornar para casa, porque ainda está cheio de lama, aí vou pra casa da minha cunhada. Mas é seguir a vida de novo, construir tudo de novo que perdeu. Já chorei muito, mas tem que entregar na mão de Deus, porque é difícil ver as coisas acabando, é difícil, mas Deus está no controle, só tem que agradecer que está com vida, ninguém morreu, enquanto muitos perderam a família”, destacou.

A mãe de Maria do Carmo, Maria José Lopes, de 58 anos, e a irmã, Lucicleide Lopes, de 28, moram próximas a ela e também perderam tudo. Toda a família está alojada na mesma sala na escola.

Tendo como única renda também o Auxílio de apenas R$ 400, Laís Cristina Mendes da Silva, de 31 anos, paga R$300 de aluguel e perdeu tudo com a enchente. Na comunidade, moravam ela, o marido e cinco dos sete filhos de Laís. Ela faz um apelo e pede doações de móveis, colchões, alimentos e coisas para as crianças, como produtos de higiene, fraldas e leite.

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“Encheu de repente, tirei os meninos logo, tirei umas roupas, o documento e o resto dos móveis eu perdi. Eu pretendo voltar para casa, no caso, eu perdi os móveis e preciso de uma ajuda para mim e para as crianças. Eu sei que eu perdi muita coisa, mas o mais importante é que não perdi a vida, nem meus filhos, eles estão bem, só tenho que agradecer a Deus pelo livramento que deu a mim e aos meus filhos e pedir força para recomeçar”, disse.

Assistência no abrigo

Na Escola Municipal Diná de Oliveira, a população está recebendo assistência médica e social, alimentação, roupas, e cesta básica. Além disso, as crianças participam de atividades recreativas de manhã e à tarde. Voluntários da educação também realizam um acompanhamento com as crianças que estão impossibilitadas de assistir às aulas remotamente. Prefeitura do Recife, Governo do Estado e voluntários realizam um trabalho conjunto.

“As crianças têm atividades lúdicas, a prefeitura manda os recreadores e eles fazem recreação todos os dias. Elas estão tendo também assistência médica, alimentação. No meu ponto de vista, estamos precisando mais no momento de descartável por conta do consumo que é muito alto”, explicou Maria Aguiar, vice-gestora da escola.

Em nota, a Prefeitura do Recife informou que mantém, hoje, 27 equipamentos como abrigos e pontos de apoio, sendo 17 deles escolas e creches do município, onde há atendimento integral e 24 horas. Nestes locais há 1.526 pessoas acolhidas e, nas unidades, a Prefeitura oferece acolhida para dormida, alimentação, doação de roupas, mantimentos e kits de enxoval como roupas de cama e vestimentas, assistência social, médica e acolhimento mental. Além disso são oferecidas consultas, aplicação de vacinas, distribuição de receitas e medicamentos, retirada de documentos, recreação infantil e atendimento veterinário.