Publicado às 06h08 deste domingo (5)

Por Maria Edwirgem, Professora serra-talhadense

Hoje, a minha saudade embarcou numa nave do tempo e foi buscar nas lembranças, um passado  guardado na parede da memória, como um quadro valioso, sem retoques, revisitado e nunca esquecido, verdadeira relíquia.

O acordar n Rua Padre Ferraz era fantástico, o badalar do sino, a voz melodiosa e incrivelmente bela de Arnaud Rodrigues, com versos e rimas perfeitas, invadia nossas casas, quando ele entoava : “De manhã o sol rasgou o céu e fui vendo tudo que era meu …” e  nos embalava  com “grandes corações, todos abertos, risos de irmãos e amigos meus”, aqui  faço reverência a rua que tanto nos acolheu, uma verdadeira, grande e inesquecível família.

E os pensamentos, feito pássaros, voam livres pela minha mente, levam- me ao coração da Cidade, com todas as cores, luzes,  cheiros  e desejos, tão belos, puros e suaves quanto os flertes e os novos vestidos das meninas, que  deslizavam graciosamente, seguindo uma tendência ditada pela moda ou pela ânsia  de ser, apenas, únicas e especiais, tal qual as canções, na imponente roda-gigante, que destacavam-se em cada ano e aguçavam nosso gosto musical.

Assim, todas as noites, pontualmente, a Filarmônica Villabelense, em consonância com o seu Maestro, impecavelmente trajada, refinada e afinada, fazia uma inédita apresentação ao descer da Igreja Matriz rumo a Praça principal, com seus toques inconfundíveis, provocando arrepios e outras sensações, anunciando o término da Novena e lembrando que do lado de cá, o lúdico, e demais prazeres estavam postos, muito além da simbologia, das doces maçãs dos amor, cabendo a cada um degustar do ágape, na proporção ou  dosagem almejada ou necessária, misturando o Divino e o Profano, assim como os sons de todas as barracas.

Se faltava espaço, sobrava  divertimento, alargava-se  em diversidades e  mil fantasias.

Lembro que  nunca acertei as argolas ou os patinhos, bem como o medo não me deixou ousar em brinquedos “radicais” ou ver a Monga, o que tinha de mais surreal nos parques da época… mesmo assim driblava a tão insistente timidez e aderia ao Desfile Cívico, então, despontava nas filas, alguns lacônicos personagens, como a bailarina mais desengonçada da Rua 15, diante dos olhares atentos de uma plateia exigente, ultrapassando as barreiras, acariciando o ego e brindando ao bem- estar e bem- me- quero.

VIAGEM NAS DÉCADAS DE 80/90

E  nesse meu itinerário de recordações, faço um pouso  obrigatório nas décadas de 80 e 90, que considero as de ouro, onde o cenário, permanecia, praticamente inalterado, a não ser pela explosão de sentimentos e sensibilidade a flor da pele, peculiar da juventude, nem sempre transviada, quando a paixão e o encanto impregnavam o ar, num encontro sinestésico ímpar.

Impossível não lembrar o frenesi que invadia a alma, a contagem dos dias, o coração aos pulos, enquanto aguardávamos o retorno dos amigos e namorados, que estudavam fora… com eles vinham também a alegria desenfreada e contagiante, a irreverência gritante, as ideias inovadoras e os íntimos ideais, naturais da idade, como num passe de mágica,  invadiam o espaço, arrancavam suspiros , risos e afetos, das amadas e críticas fervorosas, dos que não comungavam de seus anseios.

Assim, a vida transformava-se, literalmente, numa grande festa, os espetáculos pareciam não ter fim,  pois perdíamos a noção do tempo, era comum emendar dia e noite ou vice-versa, transformando -os em um solstício de verão ou de inverno! As vivências experimentadas nesses momentos, transcendia o entendimento racional, só quem viveu e  “ouviu estrelas”, pode avaliar a dimensão e o extremismo dos fatos, incluindo conflitos, aventuras e deleitação.

E a culminância se dava no dia 08 de setembro, quando,  Nossa Senhora da Penha, surgia  gloriosa, magnânima, para percorrer um novo trajeto, escolhido  e seguido por fiéis, uma multidão sedenta de amor e proteção, que renovava os votos de fé, pagava promessas e fazia outras, aclamava, entoava rezas, cantos e louvores, para a Virgem Santa, que do alto de seu esplêndido andor, acolhia e atendia os pedidos.

E chegando ao destino, previamente definido, sob suas bênçãos e proteção, encerravam-se as festividades… contrariando as expectativas, as praças continuavam povoadas de gente, de sonhos e de esperança, que um novo sol radiante, despontaria no próximo ano, cheio de novas vibrações,  de encontros e reencontros, nas manhãs, memoráveis de Setembro.

” Se  você quiser lembrar, escreva uma carta pra mim, bote logo no correio…”