Por Adelmo Santos, poeta e escritor de Serra Talhada

No dia que eu saí de casa enfrentando o mundo eu chorei. Foi no dia 5 de maio de 1974 que eu deixei a minha terra, indo embora pra São Paulo, em busca de melhores condições de vida. Quando eu cheguei na rodoviária fiquei olhando pra serra, a serra que deu origem ao nome da cidade. Eu fiquei observando aquelas rochas parecendo um gigante de frente pra cidade, como se estivesse protegendo os prédios e seus habitantes, com seus olhos d’águas em plena seca, minando sem parar.

Vendo a serra, tentei localizar onde ficavam os talhos  mas foi em vão, os meus olhos começaram a ficar cheios de lágrimas. Isso me fez sentir uma emoção muito forte, que tomou conta do meu coração. Chorei  junto com o gigante, o meu motivo eu sabia, o do gigante eu não sei, só o tempo é quem diria.

Quem sabe não era de vergonha, de ver tantos privilégios, de ver tanta hipocrisia. De ver gente sem fazer nada, de carro novo e mansão, enquanto o trabalhador dava um duro pra viver e poder comprar o pão. Eu lembrei da minha infância, minha viagem mais comprida, que eu pensei não ter fim, foi quando eu fui pra Mirandiba, Bom Nome e São Serafim. Agora eu estava ali com destino a São Paulo, uma viagem de dois dias, sem contar com os atrasos.

Eu nem sabia onde ficava São Paulo, a única coisa que eu sabia, era que  estava precisando de arranjar logo um trabalho. Eu era um adolescente, estava ficando rapaz. Estava indo pra São Paulo em busca de alguma condição para que eu pudesse um dia, construir uma família, e pudesse ser feliz.

Quando o motorista apitou e o ônibus deu partida, pedi  bênção a mãe e ao meu pai. E num dos talhos da serra deixei minha ignorância, deixei minha valentia, pedi proteção a Deus, era tudo o que eu queria. Comecei a pedir desculpas, comecei a dar bom dia, cumprimentei  todo mundo, até quem não conhecia.

Eram as armas que eu levava, para viver em São Paulo, e usar na correria. Quando o ônibus foi saindo, eu chorei como criança. Foi quando caiu à ficha, eu estava indo embora da minha terra querida. Eu prometi a mim mesmo, que um dia eu voltaria. A emoção foi tão grande que não deu pra segurar, não deu nem para lembrar que era feio homem chorar. Foi assim que eu fui embora e deixei o meu lugar.

Saí cheio de esperança, inseguro e com medo, escalado pelo destino, tangido pela ilusão, e obedecendo a razão. Pedi  forças a Padre Cícero, pedi pra Frei Damião, pisei na lapa do mundo, fui embora do Sertão. Distante da minha terra, pra mim não foi nada fácil. Enquanto no meu Sertão tinha um sol pra cada um, lá na terra da garoa não tinha sol pra nenhum.

O céu ficava nublado, fazia um frio de lascar. Senti  falta da minha mãe, das coisas do meu lugar. A saudade era malvada, não consegui segurar. Quando eu lembrava de  casa, tinha mesmo que chorar. Sentia  muitas saudades das fogueiras de São João, das pamonhas e milho assado, do luar do meu Sertão. Sabe  eu saí muito cedo, despreparado eu penei. Nessa escola da  vida, eu chorei, eu sofri, até em voltar pra casa eu pensei mas não quis.

Eu não queria voltar do jeito que eu saí, e pela estrada da vida eu resolvi continuar. Mas o que nunca faltou foi disposição pra lutar. Numa luta desigual cheia de indiferenças e desenganos. Por eu ser um cara estranho, ninguém quis me ajudar. E em certos momentos eu tive mesmo que chorar, eu chorei.

Crônica do livro “De volta para minha terra”, que está sendo produzido por Adelmo Santos