Após ouvir a Polícia Civil  (veja matéria) e a direção do Hospital Agamenon Magalhães (leia matéria), o FAROL abre espaço para a mãe do bebê que faleceu dentro da unidade de saúde, onde a família alega que houve uma suposta negligência do médico plantonista. Os depoimentos da mãe, Dayane Oliveira e da avó, Elza Oliveira, moradoras do bairro Vila Bela, na periferia, revelam detalhes de uma história marcante e sofrida, que ainda terá muita repercussão. Nesta entrevista, Dayane conta que teve a criança sem acompanhamento médico algum. Confira!

Fotos: Alejandro García/Farol

DSC_0033Dayane, 18 anos, garante que teve o bebê sem qualquer acompanhamento médico

FAROL – Qual a versão da família para este caso?

DAYANE OLIVEIRA – Quando cheguei no Hospam, na quarta-feira, o médico não tinha chegado ainda, que no caso o médico era o dr. Lourival, que estava de plantão. Aí tinha uma enfermeira que disse que eu não tinha condição para que eu ficasse lá (no Hospam) e pediu encaminhamento para eu ser transferida para o Hospital São Francisco, de dr. Nena. Aí uma médica, a filha dele me atendeu lá e disse que eu não teria condições alguma de ter o filho aqui, em Serra Talhada, e deu encaminhamento para eu ter esse filho em Recife.

Aí mandou eu voltar para o Hospam para eu assinar um papel, uma documentação para eu ir para o Recife, mas o dr. Lourival não quis assinar e decidiu me internar lá mesmo no Hospam para eu fazer uma cesariana. Aí mandou me preparar para fazer essa cesariana, me vestiram e depois fiquei esperando. Então ele foi almoçar e descansar e eu fiquei lá esperando com muita dor e já com a bolsa estourada desde às 6 hora da manhã.

FAROL – O médico estava ciente que você chegou no Hospam neste estado, enfrentando um quadro problemático e de risco e que havia uma solicitação de outra médica para que você fosse encaminhada ao Recife com urgência?

D.O. – Ele sabia já, tinha avisado a ele. Assim que entrei na sala disse, olha, a bolsa já estourou desde às 6h da manhã e eu estou sentindo muita dor, e ele estava ciente, mas aí ele saiu para almoçar e foi descansar. Aí quando foi umas 15h, ele foi lá (no leito) e tinha até marcado a minha cesárea para eu entrar primeiro, porque corria risco tendo parto normal, e eu nunca tive parto normal. Aí, com pouco chegava uma enfermeira e dizia que eu ia ter parto normal e outra chegava e dizia que eu ia fazer uma cesárea e que esperasse.

Eles sabiam disso, que não tinha parto normal. Duas mulheres que estavam acompanhando o médico, uma delas, uma galega, dizia que eu tava recebendo remédio para ter parto normal, e um outra morena, dizia que o médico estava me dando medicamento para segurar a criança. Aí eu fiquei sem saber. O tempo foi passando aí que cheguei até ficar roxa, aí minha mãe foi chamar ele para ver o meu quadro e ele (o médico) disse que não tinha problema nenhum. Eu com o olho roxo e as unhas roxas. Uma outra colega daqui do bairro pariu antes de mim o bebê dela em cima da cama sem médico nenhum também. Ela pariu às 18h.

Aí quando as enfermeiras foram avisar o médico sobre esse caso dela, o médico parou, olhou e depois voltou com um livro na mão pra sala dele e deixou eu lá, eu morrendo de dor. Mas chegou uma hora que já não aguentava e tive que fazer força pro menino sair porque se não ia morrer eu e ele.

DSC_0029Sofrimento da mãe: Dayane relatou com pesar os momentos que passou dentro do Hospam

FAROL – E no momento do parto, o médico apareceu?

D.O.: Não, não. Tive o bebê só eu e minha mãe pra segurar. Antes disso eles ficavam só aplicando medicamento no meu soro, e eu perguntava: mãe, o que eles estão aplicando em mim? Porque toda vez que eles aplicam eu sinto minha vagina queimando, ardendo e a criança empurrando mais para baixo, sentindo muita dor. Eu pedi pra minha mãe chamar uma enfermeira só quando a dor foi grande demais e eu botei força e vi a cabeça da criança. Aí mãe disse: então bote logo o resto da criança pra fora, aí continuei empurrando para sair todo o corpinho dele, foi quando mãe segurou ele e só quando chegou a enfermeira. Mas dr. Lourival? Nada. Ele não apareceu em momento algum. Não tinha nem pediatra pra me atender, nada. Só a enfermeira que veio e depois limpou o bebê. Ele nasceu chorando e normal.

FAROL – Então após o parto não houve qualquer acompanhamento médico…

D.O.: Só as enfermeiras que levaram o bebê depois dizendo que depois trariam ele pra mim.

ELZA OLIVEIRA (Mãe de Dayane): Mas aí quando foi 4 horas da manhã disseram para mim que o bebê tinha morrido. Disseram: olha vó, seu neto faleceu. E eu tive que dar essa notícia a minha filha na noite de Natal. Eu fiquei em choque e não sabia como dizer a ela. Na hora que ele nasceu, nasceu respirando um pouco roxo, mas respirando. Aí foi quando uma das técnicas em enfermagem de lá me disse que, se o médico tivesse tirado a criança cedo, antes, talvez o menino tivesse se criado.

FAROL – Havia a solicitação de que o bebê necessitaria de uma UTI?

TACIANA CLÁUDIA (Amiga da família): Partiu da dra. Natália Magalhães, que pediu para Dayane retornar ao Hospam e depois fosse encaminhada o Recife. Ela falou comigo por telefone. Ele disse: Cláudia, eu quero que o bebê vá para o Recife porque vai necessitar de uma UTI. Dra. Natália viu o caso, nos atendeu bem, e disse que Dayane precisava ser acompanhada por um obstetra em Recife por precisar de uma UTI neo-natal. Aí foi quando, voltando ao Hospam, eu procurei o dr. Lourival e perguntei: vai fazer a cesárea dela aqui, no Hospam? Aí ele disse: vou!

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T.C: Aí eu disse: ela (a criança) precisa de uma UTI neo-natal. Então ele respondeu: não, não precisa! Eu vou fazer a cesárea dela daqui a pouco. Falou isso sem base nenhuma, sem nada. Falou com bastante frieza, ele foi informado de todo o histórico de Dayane, e questionei. Eu deixei o hospital certa então de que ele, o médico, iria fazer a cesárea dela e que iria dar tudo certo. Aí, já a noite, encontrei com Karla Milena umas 7 e pouca da noite e disse: Dayane não tem condições de ter aquele filho normal, qual vai ser a situação de Dayane, qual vai ser o procedimento que até essa hora ela não foi cesareada?

Aí ela (Karla Milena) ligou para o Hospam para conversar com ele (o médico), pois queria saber do procedimento que estava sendo feito com Dayane, que tinha o conhecimento de que se tratava de uma gravidez de risco. Então eu ouvi ela dizendo que queria falar com dr. Lourival querendo uma resposta para a postura dele sobre o que ele iria fazer com ela.

FAROL – E depois dessa ligação que Karla fez ao médico mudou alguma coisa no seu atendimento, Dayane?

D.O.: Não! Foi depois disso que ele sumiu e não apareceu mais de jeito nenhum.

DSC_0068Sempre ao lado da filha, dona Elza Oliveira pede por justiça

T.C.: Karla Milena sabe de todo histórico de Dayane, sabia da gravidade e por isso chamou a atenção do médico, ela já sabia das passagens de Dayane com ameaças de aborto pelo Hospam.

FAROL – Na queixa na delegacia a família culpa o médico e o Hospam… Pensa-se em processar a instituição e o profissional envolvido?

D.O.: Com certeza.

ELZA OLIVEIRA (Mãe de Dayane): Eu mesma vou procurar (a Justiça) pelo fato do deboche do médico. Eu falo e repito: chamei uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes… Dizia: minha filha está sofrendo, vai deixar minha filha morrer? Aí ele dizia: “isso é normal”. A enfermeira que estava lá, uma loura, disse simplesmente: “ela (Dayane) vai ter normal, não vai fazer cesareana” e ainda afirmou: “se não for por esse buraco, vai ser por outro”.

A própria enfermeira chefe que disse isso, uma loura, de cabelo curto que estava de plantão nesse dia. Aí eu disse: “se acontecer qualquer coisa com a minha filha ou com meu neto aí vamos ver no que vai dar”. Aí ela respondeu que não iria fazer mais nada e nem o médico ia fazer mais nada e que eu ficasse com Dayane ali no quarto pra se virar sozinhas. E foi realmente o que aconteceu. Fiz o parto de minha filha sozinha e o menino nasceu vivo.

DSC_0042Olhar de angústia de Dayane revela a dor e a ferida da perca de um filho

FAROL – Vimos algumas fotos da criança em uma caixa de papelão. Quem a colocou lá?

ELZA (mãe de Dayane): Eu vi um conhecido meu lá no Hospam, que trabalha como maqueiro, o júnior, no momento em que ele estava com um caixa na mão. E falou até com deboche: como é que Dayane está? E depois perguntou: e o estado de saúde da criança? Aí já foi dizendo: é essa daqui que está na caixa? Aí respondi: é essa daí mesmo. Então quando fui ver, o corpo do meu neto já vinha dentro de uma caixa de papelão. O corpo dele foi deixado lá na pedra naquela caixa. Estou indignada. Gente, era uma vida. Mesmo que estivesse morta, era uma criança. Não era um bicho, não. Nem os bichos estão sendo tratados dessa maneira. A gente tem que ter humanidade e é por isso que vamos lutar até o fim.

FAROL – E o sentimento que fica?

E.O.: É de revolta. Estou revoltada e confiando em Jesus Cristo pra que eu mais nunca precise desse hospital. Prefiro morrer em casa, porque esse hospital está pior que o matadouro público, o Hospam está um matadouro público.

DSC_0031DSC_0027 Dayane é amparada pela amiga Taciana Cláudia, que acompanhou parte do calvário da família