Violência doméstica – Foto: Arquivo/Agência brasil

Por Folha de Pernambuco

Adriana Freitas Barreto, de 48 anos, foi espancada e torturada pelo ex-marido e professor de jiu-jítsu, Márcio de Oliveira, de 54 anos, durante seis horas enquanto esteve refém dele no carro, na madrugada do último sábado (27).

A vítima teve os dentes quebrados, cortes nos lábios e múltiplos hematomas pelo corpo. Segundo os agentes, o ex-marido, por ciúmes da vítima, foi de Freguesia até Petrópolis a torturando. Márcio foi preso nesta segunda-feira por policiais da 27ª DP (Vicente de Carvalho).

De acordo com a polícia, a prisão em flagrante ocorreu porque Márcio também havia descumprido uma medida protetiva de março de 2023 por lesão corporal contra a ex-companheira. A violência sofrida por Adriana na madrugada deste sábado foi registrada na delegacia, domingo, como “lesão em âmbito de violência doméstica”. Se condenado, o suspeito pode pegar de cinco a oito anos de prisão.

A vítima e o suspeito foram casados por 25 anos e estão separados há um ano e meio. De acordo com a mulher, o ex-marido não aceita seus novos relacionamentos. Horas antes de o professor de jiu-jítsu atacá-la, Adriana estava numa festa de amigos na Zona Oeste; segundo ela, quando viu Marcio, ligou para uma pessoa para pedir que a buscasse. Ela contou que passou “momentos de terror” ao lado do ex-companheiro.

Leia o depoimento de Adriana ao Globo:

“Eu não estou bem. Mas já faz muito tempo que não estou. Não dormir à noite, tão pouco consegui comer. Tudo que fiz até agora foi chorar. A minha ficha está caindo aos poucos. Hoje acordei — com os olhos ainda inchados dos socos que levei — pensando que ‘aquilo que não te mata, com certeza, fortalece’. Só pude compreender de fato o significado desta frase na última sexta-feira, quando fui agredida covardemente por alguém que acreditei que me amava e que, um dia, jurou me proteger até que a morte nos separasse. Ela quase nos separou.

Este alguém era o Márcio. O homem com quem fui casada por 28 anos e dediquei parte da minha vida. Na última sexta, fui ao aniversário de um amigo em comum na Freguesia. Cheguei no sítio por volta das 21h, a festa tinha acabado de começar.

Peguei um drinque, cumprimentei o aniversariante e os outros amigos da festa. Estava tudo indo bem até que Márcio apareceu. Deveria ser umas 22h. Ele não bebeu nada, mal falou com os convidados, e logo veio em minha direção, me cumprimentar e, como de costume, apertou fortemente a minha mão. Fazia um ano que estávamos separados. Mas, aquela não era a primeira vez que a gente estava se vendo. Aconteceram outros encontros casuais. E foi constrangedor da mesma forma.

Não gostava de ficar perto dele porque, sempre que me via, pedia para voltar. Lamentava o nosso término e, às vezes, até chorava. Por volta das 23h, peguei o meu celular e mandei mensagem para um amigo ir me buscar. Era um cara bacana que eu estava conhecendo. A cada passo que dava, para onde eu andava na festa, o Márcio me acompanhava com aquele olhar desconfiado. Aquilo me sufocou tanto que fui para o lado de fora pegar um ar e terminar de falar com meu amigo. De repente, ele chegou. Furioso, perguntou com quem eu estava falando. Em seguida, tomou o celular da minha mão e leu as mensagens sem minha permissão. Ele leu tudo, inclusive que estava marcando um encontro, e se revoltou. Nessa hora, me puxou pelo braço, me sacudiu e me empurrou. Gritei e meus amigos chegaram. Por vergonha, disse apenas que ele tinha pegado o meu celular. Fizeram ele devolver, mas o Márcio foi mais esperto. Disse que queria conversar a sós comigo. E, por ingenuidade, fui com ele.

Não me julguem. Naquela altura eu ainda achava que falava com meu ex-marido e não com um monstro. Sempre afirmei que o conhecia até do avesso. Mas hoje vejo que não. Ele me arrastou para um lado isolado do sítio, um local onde não era possível ninguém da festa nos ver. Enquanto apertava o meu braço com força e com as pernas me chutava, ele me fez entrar no carro. Meu celular caiu no chão e, por isso, fiquei sem ter como pedir ajuda. Era por volta de meia-noite quando ele saiu dirigindo sem rumo. Quanto mais eu perguntava o que ele iria fazer, mais me batia. Márcio fazia muitas perguntas. Queria saber há quanto tempo estava com o cara da mensagem, se gostava dele, se já tinha dormido com ele. Quando eu respondia, ele me socava no rosto. Quando eu ficava em silêncio, ele apertava meus seios até me ouvir gritar ou socava a minha boca. O sangue escorreu pelo canto dela quando ele quebrou o meu dente. Não tinha noção da hora. Parece que o mundo em volta tinha acabado e era apenas eu e ele. Naquele momento, fiquei parada esperando pela minha morte.

O tempo todo ele dizia que iria me matar e se mataria em seguida. A atenção dele estava voltada para dirigir e me socar. Foram horas assim. Eu implorei para ele parar, mas o Márcio estava obcecado. Ele queria vingança. Não conseguia enxergar porque meus olhos estavam inchados. Minhas mãos estavam cortadas de tanto ele socá-las contra o ferro do cinto. Minha cabeça doía de tanto ele puxar meu cabelo e a minha boca, seca, estava com gosto de sangue.

O dia estava amanhecendo. Não sentia mais meu corpo. Naquele momento, já tinha desistido de lutar contra ele. Márcio parou o carro no motel que ficava próximo a Irajá. Ele colocou minha cabeça para trás no banco e tentou, por diversas vezes, me enforcar. Dirigindo devagar, ele me mirava e me batia. O olhar dele era transtornado. Um olhar de psicopata. Eu via a morte nos olhos dele. Estou com a imagem na minha cabeça. Quando ele parou para pedir a chave do quarto e se distraiu um pouco, tentei sair do carro. Neste momento, segurei a porta com a perna para tentar fugir. Ele viu e mordeu a minha coxa com muita força, até sair sangue. Eu soltei a porta porque fiquei me contorcendo de dor. Para não dar pistas, arrancou com o carro sentido Belford Roxo, na Baixada.

Já estava de dia e havia carros passando pela rua. Na descida do viaduto, abri a janela e gritei por socorro. Passamos por um posto, e o pessoal que estava lá viu toda a cena. Os frentistas ficaram olhando sem entender nada. O Márcio sabia que, se continuasse com aquilo, era matar ou morrer. Então, ele diminuiu a velocidade do carro, mais uma vez me xingou, e disse que poderia ir. Não pensei duas vezes. Abri a porta, tirei o cinto e me joguei na rua. Fui ajudada pelas pessoas e depois levada para casa. Na delegacia, ele estava com um semblante ruim. Se ele for solto, vai me matar. Não tenho dúvida disso. Ele saiu com um ar de riso. Ele dizia: ‘eu vou preso. Vou pagar o que tenho que pagar. Mas, quando sair, vou me vingar. Uma hora eu vou sair, uma hora eu vou te matar’. Não sabia aonde ia acabar, mas pedi para Deus me ajudar. Na hora, não senti dor de nada. No dia seguinte, parecia que tinha sido atropelada. Só fui saber que minha cabeça estava cortada quando fui lavar o cabelo e vi que o sangue tinha grudado no corte e no meu cabelo.

A gente se conheceu numa festa na Ilha dos Pescadores. Ele era amigo de um amigo meu. Tinha 20 anos. Namoramos dois anos e logo casamos. Tive meu primeiro filho com 22 anos. Casei grávida sem saber. Descobri a gestação na lua de mel. Ele foi meu segundo namorado. Ele sempre deu sinais, mas eu não queria ver. Foi a minha quarta separação. Todas as outras três foram por traição. A cada término, a situação ia piorando. Eu voltava porque gostava dele, pela minha família, e porque acreditava na mudança dele. Descobri que ele teve uma amante que deu parte dele na polícia por agressão na época em que estávamos juntos. O problema é que fiquei tentando tampar o sol com a peneira. Não sabia que ele era tão dissimulado e maquiavélico.

Eu me olhei no espelho pela primeira vez depois do que passei. Não me reconheci. Eu sabia que ele poderia me dar um empurrão ou uma rasteira, mas ser espancada e torturada do jeito que fui, nunca imaginei. Não sei como vou recomeçar a minha vida. Vou me mudar dessa casa. Moro aqui desde que casei. Essa casa me traz muitas lembranças que me fazem mal. A mudança é a forma que encontrei de me proteger e proteger os meus filhos. Não sei se este ocorrido vai mudar a vida de outra mulher que esteja passando por isso, mas certamente mudou a minha”.