Foto: Evaristo Sá/AFP

Por Folha de Pernambuco

Brasil assumirá, em 1º de dezembro, a presidência do G20, com o desafio de emplacar as prioridades da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos debates entre os líderes das maiores economias do planeta.

Na avaliação de interlocutores do governo e especialistas, Lula terá de demonstrar capacidade de construir consensos em torno das soluções, em um mundo polarizado entre Estados Unidos e China.

Lula receberá, simbolicamente, do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, o comando do G20, em uma reunião de chefes de governo e Estado do bloco nos dias 9 e 10 de setembro, em Nova Délhi. Oficialmente, a presidência começará em dezembro, para um mandato de um ano, que terminará com um encontro de líderes do bloco em novembro de 2024, no Rio de Janeiro.

Em seu discurso no encerramento da cúpula, Lula anunciará três pilares com os quais pretende trabalhar até novembro de 2024, quando passará a presidência do bloco para a África do Sul: combate a fome, pobreza e desigualdade; desenvolvimento sustentável a partir da harmonização entre meio ambiente, economia e políticas sociais; e governança global, que, na visão do presidente, não atende às necessidades das nações em desenvolvimento.

Em governança, o Brasil defende que instituições multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, deem prioridade às necessidades das nações em desenvolvimento, sobretudo na área de infraestrutura, e estudem formas de renegociação de dívidas de países em dificuldades, como a Argentina. O fim do estado de paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a reforma do Conselho de Segurança da ONU, que hoje conta com apenas cinco países como membros permanentes e com direito a veto — Estados Unidos, França, Reino Unido, China e Rússia — também estão na pauta.

— O Brasil terá um papel central na definição das discussões e eventuais negociações — afirma Otaviano Canuto, ex-diretor do FMI.
Sanções à Rússia
A guerra na Ucrânia é um ponto que estará presente. Como pano de fundo, os EUA e os demais países que integram o G7 (grupo formado por EUA, Itália, Japão, Canadá, França, Reino Unido e Alemanha) querem medidas mais duras do que as sanções econômicas em vigor contra os russos — que, por sua vez, estão abrigados no Brics (grupo que tem Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O Brics ficará ainda maior a partir do ano que vem, com a inclusão de mais seis países: Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Etiópia, Egito e Argentina.

Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), afirma que o mundo caminha para uma realidade bipolar, com os EUA liderando o Ocidente de um lado, representado no G7, e do outro, a China, agora com o Brics expandido. Ele alerta que o Brasil, um país democrático e ocidental, mas com um governo que se contrapõe à liderança americana, sofrerá pressões dos dois lados para abordar temas de maior interesse de cada um.

— O Brasil enfrentará um grande desafio, tendo em vista a linha de política externa adotada pelo governo Lula e a conjuntura internacional — diz Rudzit. —Tendo em vista que os princípios defendidos por cada um dos blocos estão se tornando cada vez mais dicotômicos, o consenso se torna cada vez mais distante, gerando comunicados finais genéricos e sem medidas que de fato solucionem os problemas globais. Não se deve esperar nada diferente no ano que vem.

Ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, Rubens Ricupero acredita que temas relacionados aos grandes desafios globais estarão presentes. Ele cita o aquecimento do planeta, a desigualdade entre países, e o endividamento de nações pobres, a guerra na Ucrânia e as eleições americanas, que ocorrerão dias antes da cúpula do Rio:

— Qual será a atmosfera se Trump ganhar? Como estará a guerra da Ucrânia? E a economia da China, terá se recuperado? A economia mundial estará em recessão ou voltará a crescer? Como se pode ver, há mais perguntas que respostas.

Diplomacia personalista
Segundo Ricupero, o Brasil terá de acompanhar atentamente a evolução desses temas. O governo Lula, diz, terá de encontrar o equilíbrio e o tom adequados para chamar atenção aos problemas prementes.

— Sobretudo, tem de buscar evitar o protagonismo personalista excessivo do presidente ou atitudes desequilibradas que possam ser interpretadas como favoráveis a um dos lados, como tem feito às vezes. O país precisa lembrar que o G20 é muito mais heterogêneo e complexo do que os Brics — pontuou.

Para o ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Marcello Estevão, o Brasil tem vantagens importantes na área ambiental: a matriz energética é limpa e há um controle maior para evitar o desmatamento na Floresta Amazônica.

—É um bom momento para o Brasil assumir essa posição de liderança — diz.

Esta será a primeira vez que o Brasil assumirá a presidência do G20 desde que o grupo, no auge da crise financeira mundial de 2008, passou a ser chefiado não mais por ministros da Fazenda — como acontecia desde o fim dos anos 1990 — e sim pelos mandatários dos países-membros. Diplomatas experientes afirmam que o bloco é, hoje, o mais importante foro internacional de discussão sobre os grandes temas da atualidade e, por isso, é uma grande oportunidade.

Sem esconder o gosto que tem pela política externa, Lula tem um prato cheio pela frente. Além do G20, o Brasil preside neste semestre o Mercosul e o Conselho de Direitos Humanos da ONU.

No entanto, na avaliação de interlocutores do governo brasileiro, a presidência do G20 tem um preço alto: vai exigir eficiência em logística, organização, infraestrutura, entre outras tarefas. Até novembro de 2024, haverá mais de cem reuniões técnicas do grupo em eventos em cidades e capitais de todas as regiões do país. Também estão previstos 20 encontros ministeriais antes do fim da presidência, na cúpula de líderes no Rio. Nunca o Brasil assumiu uma responsabilidade dessa magnitude.

Flexibilização
Lula assinou um decreto, há cerca de dois meses, delegando aos ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores os cuidados na elaboração de documentos, discussões sobre temas variados, contatos diplomáticos e outras ações. Devem ser criados mais de 20 grupos de trabalho, sem contar 11 grupos de “engajamento”, que são de setores da sociedade civil.

O G20, lembra um interlocutor do governo, não é uma organização, ou seja, não tem secretariado. Isso, de alguma forma, garante alguma flexibilização nas conversas, para que sejam acomodadas visões diferentes.

Atualmente, o G20 é formado pela União Europeia e 19 países: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos.