Do G1

Após dois dias de depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro Eduardo Pazuello buscou principalmente preservar o presidente Jair Bolsonaro, segundo avaliações de senadores integrantes da comissão parlamentar de inquérito.

Para os senadores, o general sustentou nestas quarta (19) e quinta-feira (20) essa posição em temas relativos à propagação do tratamento precoce e ações para evitar a compra de vacinas, entre as quais a CoronaVac – em outubro, o próprio presidente chegou a dizer que cancelaria o contrato para aquisição do imunizante chinês desenvolvido em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

Para o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Pazuello foi o “campeão das mentiras” entre os que prestaram depoimento à comissão. Segundo levantamento do relator, o ex-ministro mentiu ou entrou em contradição pelo menos 14 vezes (vídeo abaixo).

Pazuello também evitou comentar comportamentos do presidente em desrespeito a medidas preventivas e sanitárias, como o uso de máscaras e a defesa do distanciamento social. Logo no início do depoimento, ele próprio se disse favorável às medidas.

“O senhor está aqui claramente protegendo uma pessoa: o presidente da República. Seria melhor o senhor colaborar mais diretamente com esta Comissão Parlamentar de Inquérito porque ficou claro aqui de quem foi a responsabilidade sobre toda essa tragédia que estamos vivendo”, afirmou o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Até o momento, Pazuello foi o único depoente que compareceu à comissão por duas vezes. Tanto na quarta quanto nesta quinta-feira, a oitiva foi interrompida quando ainda havia inscritos para fazer questionamentos.

Nas duas ocasiões, a sessão teve de ser encerrada por causa da abertura dos trabalhos do plenário do Senado — as comissões não podem funcionar simultaneamente às sessões deliberativas do plenário.

Sobre Bolsonaro, o ministro afirmou que o presidente participou de reunião em que ficou decidido que o governo federal não iria intervir na saúde pública do Amazonas, mesmo diante do colapso do sistema público estadual.

“A intervenção não foi feita porque chegou-se à conclusão de que o governo do estado tinha condições de continuar à frente da saúde”, disse o ex-ministro. “A argumentação, em tese, é que o estado tinha condição de continuar fazendo a resposta”, disse Pazuello. “Em tese, mas a argumentação eu não tenho aqui. O resumo é que tinha condição de continuar fazendo frente à missão”, completou.

CoronaVac

O ex-ministro foi diversas vezes questionado sobre o anúncio feito por Bolsonaro, em outubro do ano passado, de que tinha mandado cancelar o protocolo de intenções de compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto

Butantan.

“Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós”, afirmou Bolsonaro à época, um dia depois que o Ministério da Saúde tinha informado sobre o avanço das negociações.

Logo na sequência, Bolsonaro apareceu com o então ministro da Saúde em uma transmissão nas redes sociais. “Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece”, disse Pazuello.

Questionado nesta quinta por senadores, Pazuello disse que o presidente “nunca” falou pessoalmente com ele para que a CoronaVac não fosse adquirida. Segundo ele, a demora na contratação de vacinas foi motivada pela ausência de uma medida provisória que permitisse a compra.

“Isso aí é uma posição de internet, não interfere em nada com o contrato”, disse o ex-ministro, em referência à manifestação do presidente. “O que não houve é a interferência no processo. Não podia, não havia compra, não havia contrato. A intenção de compra foi mantida”, afirmou.

A declaração foi criticada por senadores. “O senhor está assumindo toda a responsabilidade, mesmo a gente tendo presenciado o senhor prometer aos governadores que ia comprar os 46 milhões do Butantan. A gente vibrou, e o senhor presidente desautorizou o senhor publicamente. E ainda foi à sua casa e o senhor disse: ‘Um manda e outro obedece’”, afirmou a senadora Zenaide Maia (Pros-RN).

“O senhor disse ontem que o presidente orientou o senhor a comprar a vacina. Ele não orientou, ele foi contra a compra de vacina. Eu acho até que, quando o senhor disse essa frase, certamente o senhor estava se protegendo, porque o presidente é comandante em chefe das Forças Armadas, e, naquele momento, o senhor era subordinado a ele. Talvez tenha sido a proteção, porque não pode ficar assim, as pessoas [estão] morrendo”, disse Otto Alencar (PSD-BA).

Máscara e distanciamento social

Durante o interrogatório, Pazuello também buscou preservar o presidente da República quando o tema eram medidas de prevenção.

Bolsonaro, com frequência, provoca aglomerações e não utiliza máscaras durante viagens oficiais e passeios pelo Distrito Federal.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) questionou o general do Exército se ele, enquanto ministro da Saúde, não tinha conseguido convencer o presidente da importância da adoção das medidas.

Pazuello disse, incorretamente, que não há comprovação científica do benefício do distanciamento social e do uso de equipamentos de proteção no enfrentamento à pandemia.

Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, demonstrou a eficácia das medidas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende as precauções inclusive para pessoas já vacinadas. Além disso, entidades médicas brasileiras afirmam que o lockdown, apesar de extremo, é eficaz.

Em resposta a Alessandro Vieira, na pergunta relacionada a Bolsonaro, Pazuello disse considerar, pessoalmente, medidas preventivas como “necessárias”.

“Não quer dizer que você não escorregue em nenhum momento da sua vida, mas em que você acredita? Eu acredito que as medidas preventivas são necessárias”, disse o militar.

Na sequência, Vieira contestou: “Quando um ministro da Saúde ‘escorrega’ muita gente morre na rua”.

Fabiano Contarato (Rede-ES) declarou que, com uma pesquisa rápida na internet, é possível encontrar registros que mostram que Pazuello e Bolsonaro “difundiram” a não utilização de equipamentos de proteção.

“Se nós colocarmos lá no Google o nome do senhor e o do presidente da República, vamos ver tanto o senhor como o Presidente da República difundindo a utilização de medicação sem nenhuma comprovação científica, difundindo a não utilização de máscara, difundindo o não distanciamento social, contrário à aquisição de vacina, chegando ao ponto de falar que não comprou vacina pelo preço”, afirmou Contarato.

Em outro momento, ex-ministro disse ser um “divulgador” do uso de máscaras, de cuidados pessoais e de distanciamento social e que, à frente do MS, fez campanhas divulgando essas ações.

“O senhor fazia campanha aqui, e o presidente da República ia para lá aglomerar, incentivar a aglomeração e não usar máscara”, afirmou Zenaide Maia (Pros-RN).