G1

O ministro da Economia, Paulo Guedes, se tornou alvo preferencial de ataques ao governo em virtude de suas declarações recentes. Dos parasitas no serviço público às domésticas na Disney, provoca revolta na população com seu talento incomum para modular o discurso entre o apenas desastrado e o flagrantemente absurdo.

As palavras de Guedes são dignas do mais veemente repúdio, por traduzir uma mistura de ignorância e preconceito que jamais deveriam fazer parte do léxico ministerial. Ainda assim, apesar de dar combustível a um que outro especulador cambial, o que Guedes tem dito é de relevância escassa para a economia brasileira perto do que ele tem feito. Ou melhor, do que não tem feito.

A promessa de revolução liberal com que ajudou a trazer Bolsonaro ao poder se limita, até o momento, a uma reforma da Previdência insuficiente para conter a alta nos gastos públicos e às iniciativas de um pacote anunciado no ano passado, que segue o ritmo queloniano do Congresso Nacional.

A reforma administrativa, destinada a aperfeiçoar o serviço público, foi engavetada. A tributária tem gerado mais calor que luz, mais debate que ação, no choque aparentemente insolúvel entre as propostas do Legislativo e Executivo. As privatizações trilionárias mal saíram do papel. Nem a Petrobras consegue se livrar de ativos sem desencadear uma greve que ameaça o crescimento.

O insondável mercado já começa a rever as expectativas otimistas para o PIB que tinha no início do ano, à luz da disparada no dólar e da paralisia política em Brasília. Legiões de broncos se encarregam de usar as redes sociais para minar a relação do Executivo com o Congresso, essencial a qualquer reforma.

Não bastasse tudo isso, interesses corporativos têm se aproveitado para minar a principal medida que conteve a explosão dos gastos públicos nos últimos anos, o teto aprovado no governo Michel Temer. Próximos do governo, os militares escavaram uma brecha na lei para injetar R$ 7,6 bilhões numa estatal de construção de corvetas, a Emgepron. O dinheiro não entrará na conta das despesas.

Outro malabarismo adotado para driblar o teto é destinar o dinheiro recolhido em multas e outros tipos de arrecadação a fundos privados, de modo que fiquem fora do Orçamento. É o que faz uma medida provisória com as multas ambientais, postas à disposição do ministro e ao largo das regras orçamentárias.

Editais de privatizações e até um projeto que tramita no Congresso preveem o mesmo expediente. O Senado começou a desfigurar a proposta de emenda constitucional que acaba com centenas de fundos públicos para destinar o dinheiro não à redução da dívida, mas a projetos da preferência dos políticos.

Em artigo e entrevista recentes, o economista Marcos Lisboa alerta para o risco de que o teto de gastos tenha o mesmo destino da Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesta, as autoridades permitiram, ao longo dos anos, a abertura de um sem-número de buracos que levaram ao descontrole nas contas e à insolvência de estados e municípios.

Independentemente do adjetivo escolhido para definir os governantes, independentemente do que digam os ministros para agradar ou chocar a plateia, a realidade econômica brasileira é inescapável – e substantiva. O Estado se tornou uma cordilheira de privilégios corporativos, que precisam ser enfrentados com urgência para haver retomada consistente na atividade econômica.

Nosso empresariado jamais se fez notar pelo investimento em conhecimento ou tecnologia para ganhar produtividade e competitividade no mercado global. Em vez disso, sempre preferiu gastar com lobby por crédito barato, desvalorização da moeda e proteção comercial. Pois bem: hoje o juro está no nível mais baixo da história, o dólar disparou, o país continua uma das economias mais fechadas do mundo… e?

E… nada.

A bazófia de Guedes é o de menos num país ainda sujeito a uma barafunda tributária de descabelar o Kojak, incapaz de manter a consistência necessária para atrair investimentos na infra-estrutura, nem de abrir o mercado à realidade competitiva mundial. Nossos governantes continuam a escandalizar a plateia com suas bravatas e memes, enquanto o brasileiro passa ao largo do verdadeiro escândalo.