Os oceanos, fontes de vida na Terra, podem se tornar nossos piores inimigos em escala global se nada for feito para travar as emissões de gases de efeito estufa, de acordo com o rascunho de um relatório obtido com exclusividade pela AFP.
Os estoques de peixes podem diminuir, os danos causados pelos furacões podem aumentar e 280 milhões de pessoas seriam deslocadas pelo aumento do nível do mar, de acordo com o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), sobre os oceanos e a criosfera (manto e calotas de gelo, geleiras, permafrost), que será oficialmente apresentado em 25 de setembro em Mônaco.
Este documento de 900 páginas é o quarto relatório especial da ONU publicado em menos de um ano.
Os precedentes, igualmente alarmantes, diziam respeito ao objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C sobre a biodiversidade e a gestão das terras e ao sistema alimentar global.
De acordo com este quarto documento, que compila os dados científicos existentes e é visto como uma referência, o aumento do nível do mar pode, eventualmente, deslocar 280 milhões de pessoas em todo o mundo.
E isso na hipótese otimista em que o aquecimento global será limitado a 2°C em comparação com a era pré-industrial.
Com o aumento esperado na frequência de ciclones, muitas megacidades próximas à costa, mas também pequenas nações insulares seriam inundadas todos os anos a partir de 2050, mesmo em cenários otimistas.
“Quando você observa a instabilidade política desencadeada pelas migrações em pequena escala, tremo em pensar em um mundo onde dezenas de milhões de pessoas deixarão suas terras engolidas pelo oceano”, afirma Ben Strauss, presidente e diretor do Climate Central, um instituto de pesquisa com sede nos Estados Unidos.
O relatório também prevê que de 30% a 99% do permafrost, a camada de solo congelada teoricamente durante todo o ano, derreterá até 2100, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem na taxa atual.
O permafrost no hemisfério norte liberará, sob efeito do degelo, uma “bomba de carbono” feita de dióxido de carbono (CO2) e de metano (CH4), acelerando o aquecimento.
Os fenômenos, já em andamento, também podem levar a um declínio constante nos estoques de peixes, dos quais muitas pessoas dependem para sua alimentação.
Os danos causados pelas inundações podem ser multiplicados por 100, ou até 1.000, até 2100.
O derretimento das geleiras causado pelo aquecimento climático dará muita água doce, depois muito poca, a bilhões de pessoas que dependem dela, também aponta um “resumo provisório para os “tomadores de decisões” a ser discutido linha a linha pelos representantes dos países membros do IPCC, reunidos em Mônaco a partir de 20 de setembro.
Principais emissores pouco comprometidos
Segundo o relatório, o aumento do nível do mar no século 22 “pode exceder vários centímetros por ano”, cerca de cem vezes mais do que hoje.
Se o aumento de temperatura for de 2°C em 2100, será o começo de uma “corrida” na ascensão do mar, alerta Ben Strauss.
A divulgação do relatório ocorrerá após uma cúpula climática mundial convocada pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em Nova York em 23 de setembro.
Ele deseja obter compromissos mais fortes dos países para reduzir suas emissões de CO2, enquanto, no ritmo atual, levariam a um aquecimento global de 2 a 3°C até o final do século.
Especialistas temem que China, Estados Unidos, União Europeia e Índia – os quatro principais emissores de gases de efeito estufa – apresentem promessas que não estão à altura dos desafios.
Nos Etados Unidos, por exemplo, diz Michael Mann, diretor do Earth System Science Center da Universidade da Pensilvânia, “os otimistas tecnológicos ainda acreditam que podemos encontrar maneiras de resolver esse problema”, mesmo que “o país não esteja pronto para enfrentar um aumento de um metro do nível do mar até 2100” em algumas cidades como Nova York e Miami.
Das quatro principais regiões econômicas responsáveis por quase 60% das emissões de combustíveis fósseis, nenhuma parece pronta para anunciar metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de suas economias.
Donald Trump rejeita a política climática de seu antecessor Barack Obama e deseja que os Estados Unidos abandonem o Acordo de Paris de 2015. Um Acordo que visa manter o aumento médio da temperatura abaixo de 2°C em comparação aos níveis pré-industriais e, tanto quanto possível, a 1,5°C.
A Índia, por sua vez, está desenvolvendo rapidamente a energia solar, mas continua aumentando suas capacidades de carvão.
A União Europeia está caminhando para uma “meta de neutralidade” de carbono a ser alcançada até 2050, mas vários Estados-Membros relutam em se comprometer.
A China, que emite quase tanto CO2 quanto os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia juntos, enviam sinais contraditórios.
“A atenção de Pequim está gradualmente se afastando das questões ambientais e das mudanças climáticas”, declara Li Shuo, analista do Greenpeace International. Ele explica isso pela preocupação com a desaceleração da economia chinesa e a guerra comercial com os Estados Unidos.
Xangai, Ningbo, Taizhou e meia dúzia das principais cidades costeiras chinesas são altamente vulneráveis à futura elevação do nível do mar, que deverá subir um metro em relação ao nível global do final do século XX em caso de manutenção das emissões de CO2.