dinheiroPor Luciano Menezes, Historiador

Pensar a questão “salário” é discutir uma esquizofrenia social com dois quadros: o baixo salário, pertinente a grande maioria; o da pobreza sumária. Diz respeito às insuficiências econômicas em geral; do outro lado, a alta remuneração, de uma restrita minoria, no ápice do pensamento econômico.  No primeiro quadro, é funestamente permitido morrer de fome ao lado dos grandes depósitos de alimentos, porém, sem perder a alegria e a esperança; no segundo, é possível ser totalmente feliz a custa de uma alta remuneração.

Diariamente tem sido possível visualizar a cobiça e as buscas voltadas para os maiores salários. Eles mobilizaram essa energia que rapidamente passou a emergir na dialética do desespero social. O alto salário foi idealizado como elemento indenizador de qualquer sofrimento humano. Com ele, qualquer vergonha de essência escravista passou a ser considerada virtude sublime. A melhor renda deveria ser capaz de aliviar ou dirimir qualquer resquício de angústia. Foi descartada qualquer perspectiva do homem escravo do salário; do degredo das formigas trabalhadoras, obedientes ao lema e aos deveres profissionais. Nesse novo raciocínio econômico, o grande salário deveria suprir perfeitamente tudo e pagar, muitas vezes, para o sujeito abdicar de ser ele mesmo e, passar a ser, uma mera engrenagem, desde que seja em nome da estabilidade salarial.

Qualquer desobediência parece ser incompatível com as receitas que buscam a “solução salvífica” do melhor salário. Mas sim, a conduta gregária, o instinto de uma multidão, quase sempre emotiva ou na subserviência impessoal – todos na busca pelo melhor salário, não importa que atividade seja realizada, custe o que custar.

A vocação da mula, antes presente apenas no mundo dos trabalhos forçados e mais árduos, perpassou em razão dos grandes salários, para os trabalhos mais minuciosos. A ideia da nobreza pelo elevado Stipendium Laboris – Remuneração do Trabalho ganhou força, na medida em que, os trabalhadores não tinham a menor condição de comprar o que eles mesmos produziam, mesmo sendo produções em excesso. Ficavam, porém, dualizados entre a ilusão abstrata do direito ao trabalho e a realidade concreta do direito a fome, ou seja, uma nova face da escravidão era desenhada de maneira dissimulada.

Categoricamente foram estabelecidas etiquetas de honras aos homens dependentes dos altos salários, em contrapartida, foram dados carimbos determinantes de exclusões, direta e indiretamente, aos sujeitos escravizados aos baixos salários. Nessa lógica dos opostos, pregou-se uma panaceia da “boa vida”, e a receita para se “chegar lá,” também foi dada por Bauman, quando diz que é necessário usar o shopping como dieta culinária e o consumo de mercadorias como principal ingrediente. Assim, o melhor salário passou a ser a grande quimera e o preço devidamente pago para se acatar docilmente qualquer situação de vida, mesmo sendo ela num cativeiro.