imagesPor Lourival Rodrigues, médico de Serra Talhada

Pensando na condição atual do nosso Brasil, vejo que Etienne de La Boétie, humanista e filósofo francês, nascido em Sarlat na França em 1530, ou seja, há 484 anos, quando escreveu sobre a Servidão Voluntária, nunca foi tão atual. Disse ele: “Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la? Se basta um ato de vontade, se basta desejá-la, que nação há que a considere assim tão difícil? Como pode alguém, por falta de querer, perder um bem que deveria ser resgatado a preço de sangue? Um bem que, uma vez perdido, torna, para as pessoas honradas, a vida aborrecida e a morte salutar?”

“Veja-se como, ateado por pequena fagulha, acende-se o fogo, que cresce cada vez mais e, quanto mais lenha encontra, tanta mais consome; e como, sem se lhe despejar água, deixando apenas de lhe fornecer lenha a consumir, a si próprio se consome, perde a forma e deixa de ser fogo. Assim são os tiranos: quanto mais eles roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem até aniquilarem e destruírem tudo. Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer, eles, sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem nada; da mesma forma que a raiz, sem umidade e alimento, se torna ramo seco e morto”.

Analisando este trecho do magnífico livro de La Boétie, e o trazendo ao Brasil de hoje, observo que de fato vivemos uma Servidão Voluntária. Pois mansamente, como o cavalo que começamos a domesticar, desde o momento em que ele nasce, preparamo-lo para nos servir e uma vez domado, ele não morde o freio. Ao contrário parece mastigá-lo saborosamente, e não se empina quando o esporeamos, desta forma serve de boa vontade; assim encontra-se, não de hoje, mais há muito, o povo brasileiro, apenas aceitando os mandos e desmandos de nossos governantes.

Observamos uma nação ser vilipendiada e saqueada, por um governante e seus séquitos, vemos um governo que infantiliza, aliena e tiraniza seu povo. E como o governo consegue estas proezas? Será uma questão histórica? Como os tiranos se perpetuam e tornam o povo servil? Antigamente em Roma com espetáculos, jogos e diversão pública, ou seja, em troca da tirania e da servidão ofereciam pão e circo. Observe que a história conta que os romanos achavam Nero um horror, mas diziam que as festas de Nero eram ótimas e gostavam das festas de Nero.

Na idade média ao fenômeno festa acrescentou-se o fenômeno religião, Deus que é o rei, Deus apoia o rei. Apesar de Deus não ter culpa da tirania e da servidão usavam a religião para tiranizar o povo. Será essa a proeza deste governo que aprendeu seus próprios métodos para tiranizar, métodos como bolsa família, mais médicos, minha casa minha vida, entre outros? Ou, pergunto-me, se o povo brasileiro tornou-se subserviente pela força simbólica da tradição? Visto que desde o presidente Prudente de Moraes a faixa presidencial é passada a cada novo presidente.

Mas os tiranos não governam somente com festas, religião ou com hábitos. Tiranos precisam de assessores, precisam de pelo menos cinco ou seis. No nosso caso trinta e nove assessores, os tiranos precisam de um grupo que os apoiem, e ao que parece nós somos esse grupo. Lembro-me agora da fala de Ulisses, personagem da Ilíada de Homero: “Muita gente a mandar não me parece bem; Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém”.

Mas voltando ao assunto principal, fica a pergunta no ar, porque nos deixamos ser um servo voluntário? E mais uma vez volto-me a Etienne de La Boétie: “ … Veja-se como, ateado por pequena fagulha, acende-se o fogo, que cresce cada vez mais e, quanto mais lenha encontra, tanta mais consome; e como, sem se lhe despejar água, deixando apenas de lhe fornecer lenha a consumir, a si próprio se consome, perde a forma e deixa de ser fogo … Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer, eles,sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem nada; da mesma forma que a raiz, sem umidade e alimento, se torna ramo seco e morto”.