POR CÍCERO LOPES, professor, escritor e humanista.

As primeiras sociedades humanas eram governadas por mulheres. Até as representações da divindade eram femininas, pois se vivia numa cultura essencialmente matriarcal e matrilinear (CAMPBELL, 2005). Com a revolução agrícola de quatro mil anos atrás é que sobreveio à cultura patriarcal, e o homem, pela força física, se impôs à mulher por uma espécie de direito natural. Hoje restam poucas sociedades matriarcais, a exemplo da situada na Aldeia Mosuo na China, e a do povo Minangkabau, Indonésia.

No que diz respeito à História escrita, na maior parte do tempo as mulheres foram submissas aos homens. O machismo e as epistemologias opressoras (REIMER, 2005) lhe impuseram séculos de silêncio e violência, sobretudo no Oriente Médio, na Índia e na África (READER, 2004), onde as mulheres ainda hoje são mutiladas para não sentirem orgasmo. No Brasil, a Lei Maria da Penha evidencia a covardia das agressões (físicas e psicológicas) à mulher dentro do próprio lar. Os germes desta violência vêm de longe, e se alicerçam em ideologias como estas:

– “A mulher deve adorar o homem como a um deus. Toda manhã, por nove vezes consecutivas, deve ajoelhar-se aos pés do marido e, de braços cruzados, perguntar-lhe: Senhor, que desejais que eu faça?” (Zaratustra, filósofo persa, séc. VII a.C).

– “A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem inferior” (Aristóteles, filósofo, séc. IV a.C).

– “Uma mulher já é bastante instruídas quando lê corretamente as suas orações e sabe escrever a receita de goiabada. Mais do que isso seria um perigo para o lar” (Provérbio Português, séc. XIX).

No entanto, hoje sabemos que “a ordem das coisas não é uma ordem natural”, mas em muitos casos, uma construção social, cultural e mental (BOURDIEU, 2001). As relações de poder estabelecidas entre homens e mulheres que relegou o sexo feminino a uma condição subalterna, não é da ordem natural, mas sim, uma construção social. Existe um sistema de dominação onde se definem funções sociais, relações de poder e marginalização; e a mulher foi, e ainda é hoje, vítima deste sistema ao longo dos séculos.

O importante agora é desconstrutir este processo, desnaturalizar estas relações de dominação entre homens e mulheres. Se estas dinâmicas opressoras foram construídas, podem também ser desconstruídas. Por isto o dia 08 de março não pode ser reduzido a uma data comercial (consumismo), mas precisa estar vinculado à luta para desnaturalizar as relações de poder e dominação entre homens e mulheres. “TV”, “geladeira”, “máquina de lavar” etc., nem são presentes, são utensílios domésticos. Se quiser homenagear uma mulher, ofereça uma rosa, um poema ou uma cesta de café da manhã; mas, sobretudo, se una a elas na luta por uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária para homens e mulheres.

Não esqueçamos que a própria instituição do DIA INTERNACIONAL DA MULHER se deve a um ato de violência machista que ocorreu aos 08 de março de 1857 na cidade de Nova Iorque, onde 130 operárias morreram carbonizadas dentro da fábrica onde trabalhavam por reivindicarem seus direitos. A mulher não quer “ser igual ao homem”, ela quer relações justas entre homens e mulheres, e isto não é pedir demais. Aliás, até mesmo do ponto de vista psicológico “o trabalho de equilíbrio” é essencial, por isto todos nós precisamos integrar a anima (feminilidade) e o animus (masculinidade) que habitam em cada um (Gustav Jung).

Fundamentalmente, não existe um “padrão humano” para julgar a natureza humana (BEAUVOIR, 1967), nenhum gênero é melhor do que o outro. E dito com mais profundez ainda, “a mente não tem gênero”, de modo que as mulheres precisam ser tratadas “como cidadãs iguais aos homens, com iguais direitos legais, sociais e políticos”, e educadas na mesma perspectiva (WOLLSTONECRAFT, 2011, p. 175). Sempre existiram posições a favor da mulher, só que foram desautorizadas ao longo da história, como é o caso de Platão, Hipátia de Alexandria, John Stuart Mill, Simone de Beauvoir, Luce Irigaray, Hélène Cixous, Elizabeth Cady Stanton, Ivone Gebara etc.; vozes que hoje precisam ser resgatadas.

Felizmente, a luta pela emancipação da mulher ganha força no mundo inteiro. Para muitos sociólogos e antropólogos estamos voltando às sociedades matriarcais, já que o uso da “força física” perdeu sua primazia na sociedade do conhecimento. A sociedade pós-moderna se alicerça em outros parâmetros, como a competência e a qualificação profissional, o que é destaque na mulher da atualidade. No Brasil, por exemplo, o percentual de mulheres chefes de família cresceu 79% em dez anos (1996-2006/IBGE) e a maioria dos diplomas de nível superior expedidos no país vão para o gênero feminino, o que coloca as mulheres à frente dos homens. Na sociedade do conhecimento, elas terão mais espaço, vez e voz. Enfim, o terceiro milênio da era cristã, pode ser sim, o milênio da emancipação da mulher!

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone. O Segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Européia do Livro, 1967.

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. São Paulo: Palas, 2005.

READERJohnÁfrica – Biografia de um Continente. Lisboa: Europa-América, 2004.

REIMER, Ivoni Richter. Grava-me como selo sobre teu coração: teologia bíblica feminista. São Paulo: Paulinas, 2005.

WOLLSTONECRAFT, Mary. A mente não tem gênero. O livro da filosofia. [Tradução Douglas Kim]. São Paulo: Globo, 2011.

IBGE: Número de mulheres chefes de família cresceu 79% em dez anos, O Globo.