Por Luiz Aureliano Carvalho, médico, Secretário de Saúde de Serra Talhada, fundador do PT e torcedor fanático do Sport Clube do Recife

Luiz AurelianoSempre achei e senti que o meu lado esquerdo, era dominante, melhor que o lado direito do meu corpo. Apesar de ser destro, tenho algumas habilidades com a mão esquerda que não é habitual em quem não é canhoto, sei chutar (ou sabia) com a perna esquerda nos meus tempos de zagueiro esforçado.

Sempre achei que escutava melhor e via melhor pelo ouvido e olho esquerdo. Sempre tive a sensação de que o lado esquerdo do meu cérebro era mais ativo, mais inteligente, mais perspicaz, enfim sempre me achei dominado pelo meu lado esquerdo.

Até militante de esquerda me tornei, ajudei a fundar o PT (Partido dos Trabalhadores) em Pernambuco, principalmente em Serra Talhada, aonde fui seu primeiro presidente e sempre militei pelas causas sociais, especialmente na saúde, defendendo as bandeiras históricas da chamada esquerda; como o SUS (Sistema Único de Saúde) universal, integral, com equidade e controle social.

Mas aí um belo dia, belo não, sombrio dia, o meu olho direito me pregou uma peça, me aparece com uma mancha, uma névoa e aí pimba, diagnóstico, descolamento de retina… cirurgia, tratamentos vários, alguns especialistas e a confirmação: meu olho direito cansou de ser coadjuvante do olho esquerdo e parou de funcionar, fechou pra balanço! Que o olho esquerdo funcione pelos dois, já que ele é tão importante, é o dominante, que é o tal, que se vire sozinho!

E aí você percebe quanto é bom e importante ter os dois olhos funcionando bem, quanto só ter um olho funcionando é limitador, diminui seu campo visual, diminui até sua dimensão dos espaços e de distância.

Mas como isto aconteceu, porque aconteceu, logo comigo que me cuido tanto, genética? Erro médico? Ou faz parte do próprio processo de envelhecimento? Só sei que é uma sensação muito ruim, muito frustante. E se eu perder o outro? Não vou poder mais ler, ver filmes, ver a natureza, ver as pessoas que amo, os amigos e principalmente o corpo da mulher amada! Ah não, isto não, eu que sempre fui um voyeur, muitas vezes é melhor ver, apreciar do que pegar ou tocar.

Fazer amor no escuro não é bom, vale uma meia-luz, uma penumbra, para ver e tocar as reentrancias e saliências da mulher desejada. A visão excita, o toque confirma, estimula, o cheiro completa, instiga, mas o ver é fundamental, é imprescindível, ver o belo, enfim, ver introduz e inicia a conquista…

Viver cada dia olhando, olhando ao redor, apreciar melhor as belezas naturais, olhar pra Serra, para as águas, as ruas e as pessoas da minha cidade e do meu mundo, olhar pra minha mãe, meus filhos, netos, irmãos, cada dia reparar no crescimento de cada um, nas mudanças dos seus corpos, ver um gol no futebol, principalmente do SPORT CLUBE DO RECIFE; caminhar e ver o mar e a praia de Boa Viagem; se irradiar com os raios de sol, iluminando as ruas, ver a beleza perfeita de algumas mulheres especiais, fantasticamente belas, madeixas loiras ou morenas, colo e seios generosos, ancas e derrière largos e cheios, coxas grossas, a dança sensual, as belas cenas nos filmes; ver o povo na rua lutando por seus direitos, sentir e ver a inteligência dos nossos intelectuais e artistas. Ver o sorriso dos amigos nos reencontros.

Ver e fazer uma bela cirurgia, ter olhos para salvar vidas, olhos para olhar nos olhos das outras pessoas e sentir e ver a felicidade e o brilho do prazer, do afeto e do amor mútuo.

Olhos para fazer o bem e se proteger do perigo, dirigir pelas estradas, pelos velhos e novos caminhos, na busca do conhecer, do saber e do prazer de viajar.

Mas é preciso saber se adaptar, acostumar-se com a nova situação, com os novos limites, saber conviver com a dependência de outra pessoa para realizar algumas tarefas do dia a dia e de alguns prazeres da vida.

É preciso ter força e coragem para encarar estes novos tempos do envelhecimento ou talvez seja melhor não envelhecer! Na vida temos que ter força e prazer para realizar as tarefas de todo dia.

Mesmo vendo com um olho só, ficar deslumbrado com a sua beleza, tomar um choque ao vê-la, ver o mel dos seus olhos, o seu cabelo brilhando, o seu corpo se movendo, ver os seus lábios falar o meu nome- ver para sempre; ficar na memória afetiva e da pele o seu brilho, a sua boca, a sua consistência- ver a sua juventude, o seu frescor!

Que venham as células-tronco, para viver vendo todos os prazeres que a vida nos dá, saber valorizar cada dia a mais vendo e enxergando a chuva, o verde, as belas cidades- Rio de Janeiro, Paris, Praga, Fernando de Noronha, Paulo Afonso, Brasília, Recife, Minas Gerais, Pará e a amada Serra Talhada; além das Luanas, Julianas, Marias, Anas, Flávias, Sharons, as Santanas e Satanazes da nossa vida.