1matematicaMaraial (nome fictício) multiplica semblantes perplexos por onde passa. Num piscar de olhos, faz cálculos de cabeça com as quatro operações ou com raiz quadrada. Lança a resposta correta antes mesmo da calculadora anunciar o valor exato. Quanto mais extensos os números, mais brilham os olhos de Maraial, excitados em busca da resposta. Mas o homem-cálculo nunca quis saber de escola. Aos 38 anos, não sabe ler uma palavra e sequer escreve o próprio nome. Maraial é interno do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), na Ilha de Itamaracá, unidade destinada a presos com problemas mentais. Sua facilidade em fazer contas, apesar de apresentar maturidade de uma criança de nove anos e do analfabetismo, está ligada a um distúrbio psíquico chamado Síndrome do sábio, Síndrome do idiota-prodígio ou Savantismo (do francês savant, sábio). Mas o paciente, claro, não tem consciência disso. E segue promovendo a multiplicação de semblantes curiosos.

Maraial está no HCTP em uma segunda temporada. Da primeira vez, passou dois anos e sete meses após matar um desconhecido que ousou lhe xingar. Desferiu no homem golpes de foice nas pernas e no pescoço. “Meu pensamento não tava bom naquele dia. Ele mexeu comigo”, lembra. Agora, Maraial voltou porque deixou de tomar a medicação em casa. Mas quer seguir o rumo de sua residência novamente. Conta gostar da família. Pelo menos uma vez ao mês seus pais vêm visitá-lo. “Hoje eu nem pego mais em faca”, ressalta. Na unidade, passa os dias entre o quarto e o refeitório. A rotina muda quando chegam visitantes. “Sempre apresento ele às pessoas que vêm nos conhecer. Ele fica super feliz com as perguntas sobre contas”, diz a diretora do HCTP, Reviane Bernardes.

Maraial conta que a mãe dele tentou, sem sucesso, sua matrícula em uma escola quando tinha apenas 12 anos e morava em um sítio no município que lhe rendeu o apelido. Não teve jeito. “Não gostava de barulho, de muita gente. Ficava agoniado”, lembra. O gestor da Escola Estadual Rui do Rego Barros, montada no HCTP, Paulo de Almeida, faz às vezes de mãe de Maraial e insiste: “Vamos para a escola?”, diante de um olhar risonho que diz não.
Maraial descobriu a facilidade com cálculos aos dez anos. E os irmãos e irmãs, eram doze filhos ao todo, aproveitavam para pedir as respostas dos exercícios escolares. De pronto, ele fazia. “Eu não sei explicar o que acontece. Não sei tirar da mente a memória da matemática”, fala, soltando uma gargalhada. Os cálculos povoam a mente de Maraial até na hora de dormir. “Deito na cama e penso na matemática”, completa.

Psiquiatra forense, o médico Sérgio Buarque trabalha no HCTP há 25 anos. Hoje prepara laudos dos pacientes. Buarque explica que o fato de Maraial ter um retardo mental e ao mesmo tempo fazer cálculos com facilidade é o que chama a atenção das pessoas, causa admiração. “Isso não significa, porém, que ele é um gênio. Ele tem apenas essa função do cérebro mais acentuada. No entanto, é estéril, pois não consegue afirmação social e no trabalho. Como tem muita atenção das pessoas por essa característica, é estimado, fica feliz. No entanto, não é capaz de ser útil, aproveitado em outra atividade”, explica.

O termo idiot savant surgiu em 1985. Pesquisas apontam que a síndrome é rara. Pode ser encontrada em mais ou menos uma em cada 10 pessoas com autismo e em, aproximadamente, uma em cada 2 mil com danos cerebrais ou retardamento mental, como é o caso de Maraial. Também há estudos que apontam casos de pessoas que, após uma forte batida na cabeça, despertam como gênios. Maraial, o homem-cálculo, não é gênio. Mas sua capacidade com a matemática soa como poesia em um HCTP cujas paredes emitem histórias tristes e abandono por todos os lados.

Do Diario de Pernambuco