Do Diario de Pernambuco

Fotos: Moho Film/Divulgação

Depois de uma retomada tímida, no ano passado, agora, na 75ª edição, o Festival de Cannes promete ser integrado por comitiva de mais de 30 mil profissionais do cinema, no retorno que começa hoje, e se estende por 12 dias. Mesmo fora do núcleo de 21 filmes que disputarão a Palma de Ouro, há indícios de segura festividade. Top Gun: Maverick, que marca a primeira vez de exposição do astro Tom Cruise, na Croisette, em 30 anos. Outro popular Tom, o Hanks, também se projeta, no papel do ex-empresário de Elvis Presley, no musical do australiano Baz Luhrmann estrelado por Austin Butler, num dos títulos mais badalados (mesmo fora da disputa).

Depois da presidência do júri reservada, no ano passado, para o diretor Spike Lee; outro carismático artista negro, o ator Forest Whitaker (de filmes como O último rei da Escócia) receberá um fundamental prêmio honorário. Diante do recente caos instalado na Ucrânia, o cenário traz justiça para outra homenagem: a do último filme de Mantas Kvedaravicius, morto em teatro de guerra, atuante como documentarista e ainda exercendo, à época, a porção de doutor em antropologia, num regresso a Mariupolis (apresentado em 2016, no festival). A ser exibido na quinta-feira, Mariupolis 2 foi possível, diante dos esforços de Hanna Bilobrova, noiva de Kvedaravicius, que assumiu a produção. Entre bombas e destruição, em anotações, o diretor pontua aguerridos civis, empenhados em fazer valer a solidariedade, num cenário que o diretor decifrou como “paraíso no inferno”, diante da humanidade dos cidadãos atingidos pelo caos.

Num crescente, valorizado em Cannes, o exilado diretor russo Kirill Serebrennikov, concorrente ao prêmio máximo (a Palma de Ouro) em 2022, depois de selecionado em 2016, 2018 e 2021, trará para a competição A esposa de Tchaikovsky, que trata das supostas questões de enlouquecimento do célebre compositor Pyotr (do sacramentado O quebra-nozes). O desenvolvimento da arte também referenda três outros títulos em Cannes: Forever young, Showing up e Brother and sister. O primeiro, assinado pela francesa Valeria Bruni Tedeschi, e estrelado por Louis Garrel, mostra a tragédia e brilho, nos anos de 1980, vivenciados por integrantes da escola de teatro de Patrice Chéreau (cineasta do polêmico Intimidade). Outro título de diretora (Kelly Reichardt) é Showing up, que traz a estrela Michelle Williams interpretando a artista plástica Lizzie Carr, repleta de dramas familiares, além de transbordante criatividade. No último título desta trinca, Marion Cotillard e Melvin Poupaud prometem brilhar no filme de Arnald Desplechin. Ela vive uma atriz e ele, um poeta, que, irmãos, superam uma fase de 20 anos sem contato. O filme de abertura, Coupez! (de Michael Hazanavicius) traz os bastidores inusitados das filmagens de um longa de terror.

Com um trio de comprovada excelência cênica, formado por Lea Seydoux, Viggo Mortensen e Kristen Stewart, o veterano David Cronenberg comanda a produção greco-canadense Crimes in the future, em torno de mutações e de jogadas econômicas com implantação de tecidos vitais sintéticos. Artista de vanguarda se mistura à missão de um investigador, numa performática trama que especula o ápice da evolução humana e trata de transformações nas funções vitais dos seres vivos. Cronenberg comparece ao páreo pela Palma de Ouro, depois de apresentar Crash (1996), Spider (2002), Marcas da violência (2005), Cosmópolis (2012) e Mapa para as estrelas (2014).

Entre os filmes que trazem assinaturas destacadas de diretores estão o belga Tori e Lokita, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que trata de jovens exilados vindos da África, e que têm a amizade posta à prova, além do norte-americano Armageddon time, com o qual James Gray chega a Cannes pela quinta vez. Num enredo de crítica ao dito sonho americano, o elenco é all star: Oscar Isaac, Cate Blanchett, Robert De Niro e Anthony Hopkins.

Num ano com pouca representatividade feminina, a francesa Claire Denis faz a diferença, com Stars at noon, um romance adaptado da obra literária de Denis Johnson. Na obra, uma jornalista prestes a ser presa na Nicarágua desenvolve avassaladora paixão por um inglês. Uma compaixão rara promete imantar a fita do polonês Jerzy Skolimowski, pela sexta vez em Cannes, desde 1972, e que desponta com EO, trama em que um burrico olha a humanidade com conivência.

Personalidades

Melhor ator, em Cannes, há sete anos, Vincent Lindon comandará o júri neste ano, robusto, e que traz a sueca Noomi Rapace (do megassucesso Os homens que não amavam as mulheres), a atriz e diretora Rebecca Hall (de obras como Vicky Cristina Barcelon, de Woody Allen), o dinamarquês Joachim Trier (diretor do excepcional A pior pessoa do mundo) e o iraniano Asghar Farhadi. Nos holofotes, o Brasil está no segmento Cannes Classics, com um obra restaurada de Glauber Rocha.

O Irã está representado na competição por Holly Spider (de Ali Abbasi), detido no mergulho de jornalista no submundo da sagrada cidade de Mashhad, em que aflora uma zona de prostituição. Com mais de duas horas e meia de duração, Os irmãos de Leila, do iraniano Saeed Roustaee, examina reflexos de sanções financeiras internacionais que acarretam numa prisão emocional para Leila, personagem que cuida de quatro irmãos e dos pais, até saber de uma apodrecida herança familiar. Outro com extensa duração é Pacifiction, do espanhol Albert Serra, que defende coprodução no Taiti, região em que pairam incertezas para autoridade francesa envolvida em supostos testes nucleares. Sergi Lopes e Benoît Magimel lideram o elenco.

Com dramas intimistas, comparecem a Cannes os celebrados Park Chan-Wook (sul-coreano) e o Cristian Mungiu (romeno). Decision to leave, de Chan-Wook, mostra os desdobramentos da morte de um homem que cai do pico de uma montanha. Uma viúva que esconde sentimentos puxa a trama. Já R.M.N., de Mungiu, é situado na Transilvânia, em que um homem perde o emprego e passa a pretensão de ser mais presente na criação do filho, apesar do clima de total instabilidade.