Onde estão os professores que ainda não morreram?

Por Diego Kerhle, professor serra-talhadense

Publicado às 05h37 desta quarta-feira (16)

O dilema do professor de escola pública é ter que dizer ao seu aluno do 8º ou 9º ano, que trabalha como auxiliar de pedreiro, que ele é um estudante nota 5. Pois, em vez de se dedicar a ajudar o estudante a suprir suas necessidades para que se prepare o melhor possível para enfrentar a máquina social que já o explora desde cedo, o professor deve aplicar repetidamente simulados e aulões, para garantir que o aumento do IDEB (Índice de Decoreba da Educação) possa ser usado de forma eleitoreira nas eleições seguintes por prefeitos, governadores e presidentes.

Esta moeda de troca, que serve para chantagear de cima a baixo, desde secretários, gestores de escolas e professores, desemboca na desumanização total dos alunos na outra ponta do processo. Eles são vistos literalmente como tijolos numa parede, que nem parede é, não precisa ser. Basta a imagem da parede, que sabemos ser possível derrubar com um empurrão.

Enquanto isso, professores entram em colapso, depressão, tem crises de ansiedade, pois terminam introjetando a culpa pela situação catastrófica que esta política produz, passam a acreditar que são eles os responsáveis pelo fracasso escolar. Estão apenas cumprindo ordens. Se há culpa, está aí. No cumprimento de ordens absurdas e irresponsáveis, construídas por pessoas que estão longe do chão de escola e não conhecem o contexto em que a aprendizagem precisa acontecer.

Cada escola é única, pois está inserida numa comunidade única, envolvendo pessoas com histórias e necessidades distintas. Aplicar um currículo ou apostilas de maneira uniforme, como se os alunos aprendessem todos da mesma maneira, ao mesmo tempo e no mesmo ritmo, é de uma estupidez que felizmente não encontra respaldo nas teorias da aprendizagem.

A tão falada aprendizagem, como nos lembra Jerome Bruner, só acontece quando é significativa, integradora, diversificada, ativa e socializadora. Vygotsky, dizia há mais de 100 anos que o sistema escolar deveria ser organizado a partir dos interesses das crianças. Paulo Freire, por sua vez, dizia há mais de 50 anos que é preciso considerar o aluno como sujeito da aprendizagem e não como objeto de uma educação bancária. Por fim, Piaget nos ensinou que é preciso que a experiência educativa possua significado para que a criança possa realizar o processo de assimilação. E nós, o que fazemos?

Damos aula, centrada no professor, sobre conteúdos descontextualizados e aplicamos provas para classificar as crianças pela sua capacidade de memorização de curto prazo (a única coisa que uma prova é capaz de provar). Destruímos assim o sentido do processo de aprender, transformando avaliação em classificação e a relação com os alunos em chantagem. Há quem ofereça pontos na média para que o estudante não resista a estas práticas sem sentido. Propor e executar este tipo de política educativa é ser desonesto ou ignorante?

Por outro lado, felizmente, há gente que resiste e busca construir uma escola ética. Não nos faltam exemplos de educadores que nos mostraram que é possível lutar por uma escola transformadora, inclusiva e acolhedora. Maria Nilde Mascellani nos ensinou sobre como agregar a comunidade como campo fundamental para o aprendizado, Lauro de Oliveira Lima nos ajudou a organizar o trabalho pedagógico estruturado em equipes e o aprendizado pela pesquisa, para que deixássemos de estar centrados no ensino através da aula expositiva – que apenas reproduz hierarquia e passividade.

Além deles, o professor José Pacheco ainda hoje nos convida a construir dispositivos de aprendizagem e de convivência, que colaboram para estruturar uma escola democrática sustentada por valores éticos, em que as atitudes e relações se tornam tão importantes quanto os conteúdos. Tudo que havia para ser escrito sobre como salvar a educação já foi feito, só falta salvar a educação.

Há exemplos de secretarias, como a de Mogi das Cruzes, em São Paulo, que estão transformando escolas em comunidades de aprendizagem, lugares realmente comprometidos com uma mudança social e humana. E há muitos outros casos no Brasil, como o da Escola Nossa Senhora do Carmo (PB), da Escola Aberta de São Paulo (SP), da Escola Municipal Amorim Lima (SP), da Escola Municipal Waldir Garcia (AM) e tantas outras. Resta saber onde estão os professores que ainda não morreram?